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domingo, 1 de setembro de 2019

Das paróquias que cercam e das províncias que cegam

                Passando-se em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, o julgado em questão trata-se de um agravo de instrumento, empunhado por dois proprietários de terra, contra a decisão judicial que indeferiu a reintegração da propriedade após esta tornar-se um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST). Dispondo do artigo "O Primado do Direito e as Exclusões Abissais", de Sara Araújo, pode inferir várias consequências da real instituição do Estado de Direito, em especial, acerca da Função Social da Terra, a qual será foco central desta discussão.
             Em O Primado do Direito e as Exclusões Abissais, há menção de dois conceitos que elucidam e resumem muito bem toda a bagagem sociológica pormenorizada pela Dra. Sara. Sobre a disposição de um Direito exclusivista ampliado pelo Estado de Direito atual deve-se primar por sua "desparoquialização" bem como sua "provincialização". O primeiro neologismo foi criado por William Twinning e exprime a crítica acerca da teoria jurídica ocidental (norte-rico) sobre o mundo, sem reconhecer a contribuição do mundo colonizado bem como autonomia perante a instrumentalização e uso do direito. O segundo, um conceito desenvolvido por Chakrabarthy, expõe a ideia da falsa universalidade sentenciada em especial pelos ditos Direitos Humanos, que não considera o idiossincrático aspecto do mundo, repleto de suas províncias de costumes localizadas nas margens do dito "centro" desenvolvido.
                 A socióloga, em termos gerais, dispõe acerca do outro lado do apogeu do Estado de Direito, que ao invés de trazer realmente a liberdade ampla e irrestrita, empodera uma liberdade e uma formatação já padronizada pelo ocidente. Com aspectos de uma colonização velada, tal formato é agressivamente imposto nas margens anteriormente colonizadas pela Europa, principalmente a América Latina. Inserindo a crítica à redoma do julgado em questão, a função social da terra é muito discutida e sua defesa é protagonizada por inúmeros grupos sociais, tais como o MST (de maior visibilidade no Brasil). No processo citado, há certa disparidade com os acórdãos padrão em favor do latifundiário; por dois votos a um, a função social da terra foi priorizada a despeito do direito institucional e legislativo da propriedade. Contudo, em linhas gerais, o estado democrático de direito tem priorizado a liberdade imputada pelo ocidente de modo a ignorar todas as exclusividades de uma nação como por exemplo a brasileira.
                   Tragando a sociedade latina à paróquia nortista, o Estado possui ampla disponibilidade de ferramentas jurídicas, três poderes belamente divididos e liberdades constitucionais brilhantemente dispostas na Carta maior. Contudo, os pilares "libertários" são tão solidamente instituídos que as adequações humanizadas de uma nação única em si mesma são dificilmente implantadas, tais como: reforma tributária, defesa de terras indígenas, cotas amplamente igualitárias e por fim, reforma agrária. Por outro lado, a não provincialização de preceitos ditos como "de ampla necessidade humanista" pela intelectualidade mundial acaba por minar também a plena conclusão de tais medidas revolucionárias. Consequentemente, a militância passa em alto a dogmática pois os fundamentos são ditos como globais e de conhecimento de todos, como a necessidade de se romper com o estado capitalista de produção e no caso em questão, o domínio latifundiário da terra. Deste modo, as medidas são discutidas, o levante público é organizado e as bandeiras são dispostas, mas a plena mudança não é alcançada pois a análise foi geral e não restrita à condição ímpar nacional. A militância argumenta, mas só o pragmatismo cura.

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