"O Sul foi duplamente silenciado: porque alegadamente não tinha nada para dizer e porque não tinha linguagem para o fazer" (SANTOS, 1995). Na página 105 da obra "O primado do direito e as exclusões abissais - reconstruir conceitos, desafiar o cânone", a autora Sara Araújo lança mão dessa importante sentença de Milton Santos, geógrafo brasileiro, que ilustra a impotência à qual as Epistemologias do Sul são submetidas frente ao domínio do que é produzido pela parte superior à linha de exclusão abissal.
O significado dessa teoria de Sara Araújo ganha maior proporção no que se refere à vigência dos sistemas econômico-jurídicos na região austral do planeta. Segundo ela, ocorre a monocultura do conhecimento e do saber produzido pelos homens e, a partir disso, exclui-se "o mundo que não se encaixa nos seus padrões, tudo o que é local ou particular é inviabilizado pela lógica da escala global" (p.96). Dessa forma, ocorre a disseminação forçada das ideologias colonialista, capitalista e neoliberal, o que agrega ônus máximo a qualquer possibilidade de estabelecimento do pluralismo jurídico e da ecologia de direitos e justiças.
No ano de 2001, houve no sul do Brasil uma ocorrência judicial que realmente foi inovadora frente ao cenário corriqueiro da reforma agrária no país. Com início em 15 de outubro do mesmo ano, quando a propriedade rural de Plínio Formighieri e Valéria Dreyer Formighieri foi invadida por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terras, a justiça brasileira negou o efeito suspensivo à liminar reintegratória postulada nos termos do artigo 928 do Código de Processo Civil, o que se deu através de um Agravo de Instrumento cujos agravantes eram os próprios proprietários da terra.
A discussão acerca do provimento ou não do efeito suspensivo ativo ao recurso ficou baseada principalmente no que se refere à atual noção de função social da propriedade somada ao cumprimento do devido processo legal. Como conclusão, os votos de dois desembargadores foram contra o provimento de efeito suspensivo à liminar reintegratória, enquanto apenas um voto foi à favor dele. Logo, concluiu-se que a posse da terra deve ser acompanhada da sua propícia utilização e produção, conforme alega o artigo 5º, inciso XXIII da Constituição Federal.
A importância dessa decisão está pautada na voz que foi dada ao grupo de brasileiros não detentores de terras e que dela poderiam extrair sua sobrevivência digna. Foi dada representatividade à camada social marginalizada pela cultura latifundiária brasileira, que em muito contraria a noção de bem-comum. Sem dúvidas, essa foi uma quebra histórica do paradigma da monocultura nórdica no Brasil. Em consonância ao que analisou Sara Araújo, freou-se a razão metonímica - a tomada de parte da realidade como se fosse a totalidade desta - caminhando para uma situação de maior igualdade em relação às diversas experiências sociais.
Como desfecho dessa breve análise do caso supracitado à luz da perspectiva do duplo silenciamento das Epistemologias do Sul, invoca-se aqui um último dizer de Sara Araújo sobre a crescente necessidade de implantar o pluralismo jurídico em somatório à ecologia de direitos e justiças: "não só reconhecer a pluralidade, mas criar pontes de diálogo que permitam promover aprendizagens jurídicas recíprocas entre Sul e Norte". Torna-se imperativo, portanto, a presença na atualidade de elementos citados pela autora tais quais: a visibilidade; a horizontalidade; a copresença; a recuperação de ordenamentos jurídicos que regulam sistemas produtivos que a ortodoxia jurídica capitalista não reconhece; e a desglobalização do local relativamente à globalização hegemônica.
Marco Alexandre Pacheco da Fonseca Filho - 1º ano Direito (matutino)
Nenhum comentário:
Postar um comentário