O Agravo de Instrumento
nº 70003434388/2001 refere-se ao caso da ocupação da propriedade de Plínio Formighieri
e Valéria Dreyes Formighieri por integrantes do MST – Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra. No processo em questão, houve pedido de reintegração
de posse indeferido e, portanto, houve o agravo de instrumento que, ao final, também
foi improvido. Na afirmação dos proprietários, a propriedade era produtiva, apresentando,
assim, como provas: certidão de propriedade da área, escritura pública de
divisão amigável, boletim de ocorrência, certificado de cadastro de imóvel
rural, declaração de ITR do exercício de 2.001, e comprovação de recolhimento
do ITR, entre outros documentos.
No julgamento do agravo,
participaram três desembargadores, de modo que dois deles votaram pelo indeferimento
e um deles pelo deferimento. Mário José Gomes Pereira, desembargador revisor da
ação – que optou pelo improvimento –, sustentou seu voto majoritariamente na
função social da propriedade, ressaltando de diversas formas toda a atenção e complexidade
a que os proprietários deveriam ater-se para o cumprimento desse preceito,
justificando, dentre diversos argumentos, a sobreposição do bem estar social ao
bem estar individual, a interpretação da propriedade não mais como apenas um
direito fundamental, mas também um dever fundamental, a partir da manutenção da
dignidade humana, da erradicação da pobreza e da marginalização, e a devida
atenção à Constituição Federal, visto que esta garante o direito à propriedade
desde que esta cumpra sua função social adequadamente.
Relacionando, então, o caso
ao texto da professora Sara Araújo, percebe-se que Analogamente às exclusões
abissais presentes no contexto global, que partem do eurocentrismo e da cabal
desvalorização de toda a ciência epistêmica oriunda do sul, os interesses da
elite social, no contexto capitalista, são sobrepostos aos da classe marginalizada
– reflexos de ideais burgueses desde a escola iluminista; no caso em questão, é
claro o abismo social ao se colocar em dúvida qual dos seguintes pressupostos
deve ser considerado: a dignidade da pessoa humana ou o direito à propriedade.
Ademais, inúmeras argumentações em defesa dos proprietários baseiam-se na
simples ideia de: se a eles pertencem a propriedade, conquistada por “seu
esforço”, por que cabe a outrem o questionamento da legitimidade de sua posse?
Adota-se, então, o princípio de igualdade de todos perante a lei sem distinção,
sem se levar em conta se essa igualdade tão friamente discutida é materialmente
estabelecida, isto é, esquece-se das diferenças de oportunidade e da colossal discrepância
dos “pontos de partida” nas mais diversas classes sociais ao se afirmar que o MST
não age exatamente conforme a lei, incluindo, então, a ocupação de propriedade no
rol de afrontas a todo o ideal global baseado no atrevimento literal à lei.
Além disso, Sara afirma
que a “monocultura jurídica despreza os direitos locais e os universos
jurídicos que regem formas de produtividade não capitalistas e classifica como
irrelevantes, locais, improdutivas, inferiores e primitivas as formulações
jurídicas não modernas”, ratificando a ideia de que aquilo que não se mostra
produtivo, relevante economicamente ou um meio de ascensão e manutenção do
capitalismo é descartado e considerado uma apologia ao antissistema, logo,
questiona-se na conjuntura atual: de que
importa a função social de uma propriedade cuja produtividade é extremamente
elevada?
Turma XXXVI - Matutino
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