Os
ordenamentos jurídicos mundiais atualmente estão passando por um processo de homogeneização,
baseada nos fundamentos capitalistas de que todas as estruturas da vida social
devem ser semelhantes em todo o mundo. Assim, ele é formulado utilizando-se de ideais
provenientes das epistemologias do Norte, isto é, do hemisfério Norte, onde se
localizam os países com maior desenvolvimento econômico do mundo. Como
resultado, temos em diversos lugares do mundo ordenamentos que não se adéquam a
esses princípios, uma vez que não foram feitos considerando a realidade social
desta localidade.
A
esse fenômeno, Sara Araújo da o nome de visão metonímica, que é justamente considerar
que algo que é efetivo e benéfico em um lugar, com uma cultura, também irá
funcionar em todos os lugares do mundo. Desse modo, tal fenômeno pode ser
observado nos procedimentos necessários para que haja a desapropriação de uma
propriedade que não esteja cumprindo sua função social, que demandam enorme
quantidade de tempo, o que contrasta com a realidade das famílias que ocupam
tais propriedades, que não tem onde produzir seu próprio sustento, que não
podem esperar os longos anos para que seja proferida uma sentença, pois a fome
e a morte não esperam. Portanto, conclui-se que o argumento de necessidade de
cumprimento do devido processo legal utilizada contra membros do movimento sem
terra (MST), pelo Des. Luis Augusto Braga, no Agravo de Instrumento Nº70003434388, é
complemente fundamento na ideologia do Norte, sem considerar que a realidade
social do Brasil é diversa dos países nos quais ela foi desenvolvida: aqui, a
miséria e a desigualdade social são reais e iminentes.
Ademais, o Des. Braga, único a
votar em favor dos fazendeiros, direcionado pelo ponto de vista de
homogeneidade do ordenamento, acuso os membros do MST de causarem insegurança
social ao ocuparem as fazendas. Todavia, ao analisar sob o olhar das
epistemologias do Sul, entende-se que o que este movimento faz é o contrário do
que é acusado pelo desembargador, uma vez que buscam é gerar segurança social
aqueles que foram menosprezados pelo Direito por não terem condições de se
adequarem ao modelo capitalista de vida que o Direito do Norte impõe sobre as
nações do Sul, lhes fornecendo o mínimo existencial para que possam viver de
forma digna. Logo, se o local ocupado estava sendo usado de forma inadequada,
não cumprindo com seu dever exercer a função social da terra, que é produzir em
proveito da sociedade, não é ameaça a paz social ocupa-la, até que sejam
realizados os procedimentos legais que tanto defendem as epistemologias do
Norte, favorecendo, assim, a vida e o bem estar de inúmeras famílias.
Portanto, ao defender uma
ecologia de direitos e de justiças, Sara Araújo estabelece que uma
epistemologia não deve suprimir a outra, mas sim ambas exercerem influência na
estruturação do ordenamento jurídico,como duas pontes que interligam as
epistemologias dos dois hemisférios, fazendo com que ele tenha múltiplos pontos
de vista em sua concepção. Também, é necessário enfatizar o ordenamento
jurídico vigente não deve ser ignorado ou desconsiderado, mas sim interpretado
de forma a contemplar as necessidades sociais do país, como ocorreu no caso
citado, onde os desembargadores, por voto da maioria, decidiram deixar a posse
da terra para aqueles que a ocupavam fazendo valer os dizeres da Carta Magna. Com
isso, conclui-se que o Direito brasileiro ainda é saturado pelas epistemologias
do norte em sua conjectura, mas que seus operadores, sobretudo aqueles das
instâncias superiores orientam a sua interpretação, por meio da hermenêutica e
outras técnicas jurídicas, visando se ater a realidade social que o país enfrenta,
e não apenas ás duras, rígidas e restritivas letras da lei.
Júlia Veríssimo Barbosa - Direito ( Noturno)
Nenhum comentário:
Postar um comentário