Sob esse viés, vale ressaltar, que muitas das propriedades latifundiárias advêm da herança do processo colonial - ocorrido no Brasil - e de fraudes como a grilagem, e seus proprietários apenas as resguardam em nome da especulação imobiliária, da manutenção de suas fortunas e do status social. Logo, o argumento dado pelos possuintes e pelo desembargador Luís Augusto Coelho Braga defendendo a tese de que os donos conquistaram o local partindo do próprio esforço, é de cunho duvidoso, assim como o argumento de que a terra era produtiva e que devido a conduta dos participantes do movimento ter sido violenta a terra deveria ser restituída, tendo em vista que sem o uso de violência dificilmente conseguiriam tomar o local.
Ademais, é evidente que defender que uma área tão extensa pertença apenas a duas pessoas, enquanto milhares de outras não tem onde morar e produzir alimentos tanto para sua subsistência, quanto para dar manutenção as demandas sociais, é defender uma visão capitalista selvagem, a qual se importa apenas com o acumulo de capital, o que constitucionalmente contraria a função estatal, tendo em vista que o mesmo deve presar pelo bem estar coletivo. Isto posto, é possível concluir que os juristas têm se mostrado mais abertos a adaptar o ordenamento normativo ao caso a ser avaliado, o que entra em conformidade com a tese defendida pela pensadora Sara Araújo em sua obra denominada
“o primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos,
desafiar o cânone”, tendo em vista que ela fala sobre a necessidade de que o Direito não seja compreendido de forma estática, atendo-se apenas a aquilo que está posto sem adaptação ao caso concreto e interpretação.
Sob essa ótica, o caso evidencia também a necessidade de que o Direito reconheça as relações desiguais e partindo delas busque compreender, afim de equiparar aquele que se encontra desfavorecido - no caso supracitado, os participantes do movimento - e, a partir dessa compreensão, interprete as leis a luz do caso a ser avaliado. Todavia, vale ressaltar, que a maior parte dos juristas presentes nos cargos de grande relevância estatal pertencem a classes sociais abastadas, logo, o seu "habitus" - conceito desenvolvido pelo pensador Bourdieu, que trata sobre a influência que o meio exerce sobre a visão de mundo dos indivíduos - faz parte do grupo vigente no "norte" - indivíduos privilegiados economicamente - o que dificulta, muitas vezes, a compreensão de valores e prioridades muito diverges das suas.
Diante disso, Sara afirma que é necessário que a ciência jurídica atual busque realizar uma intercessão entre o "norte" e o "sul", tendo em vista que ao longo da história ela apresentou uma visão indolente, a qual primava apenas por uma única perspectiva - a eurocêntrica - que considerava que o único saber o qual era válido e deveria ser primado era o do "norte". Isto posto, culturas como a dos indígenas eram vistas - e infelizmente, por muitos ainda são - como atrasadas, obsoletas e primitivas. Por isso, a pensadora afirma que o Direito deve se provincializar - afim de globalizar o que e local -, desparoquializar - sendo passível de ser globalizado - e prevalecer uma ecologia de justiça, a qual reconheça as diferentes culturas e as leve em consideração.
Danieli Calore Lalau 1° ano - Direito - noturno
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