É inegável a herança brasileira colonialista. Durante,
em média, 350 anos fora um país provedor de produtos primários para a metrópole
portuguesa graças à riqueza climática e à fertilidade de seu solo. Sobretudo ao
que diz respeito aos climas tropicais e aos tropicais de altitude (área esta na
qual destacou-se pela ampla produção cafeeira), o Brasil sempre apresentou certa
preponderância competiva no mercado internacional. Ademais, isso não
apenas resultou dos potenciais naturais, mas também da estrutura fundiária do
país: uma alta concentração de terras nas mãos de grandes latifundiários
monocultores. Não por acaso, a porcentagem de produtos exportados brasileiros é
extremamente influenciada pelo agronegócio. Sob o crivo do Ministério da agricultura,
a agropecuária foi responsável por 22,6% do PIB brasileiro em 2017, produção esta
em que o Brasil lidera mundialmente na produção de: café, açúcar e suco de laranja.
Por outro lado, a questão social fundiário teve sua
história categorizada por manter o poder e ignorar as classes baixas. Enquanto
na potência norte-americana a reforma agrária foi instaurada em 1862 (Homestead
Act), o Brasil avança nesse tema em “conta gotas”. Segundo a tabela de 2009 do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEES)
Como é possível observar nos dados da estrutura
fundiária brasileira, a maior parte dos estratos de área – 42,5% –
encontra-se concentrada em 0,8% de imóveis, que apresentam uma área média de
6.185 hectares. Por outro lado, 33% dos imóveis apresentam uma área equivalente
a 1,4% dos estratos de área ocupados, o que equivale a uma área média de apenas
4,7 hectares.
Tendo isso em mente, passo a dissertar acerca do “agravo
de instrumento da décima nona câmara
cível n° 70003434388”. Nesse caso ,os desembargadores decidiram em maioria indeferir
o pedido de reintegração de posse de um área de 3 hectares (30 000 m2)
ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores
sem Terra (MST). Ao passo que estruturei a relação fática, torna-se evidente a complexidade
do problema. A luz de Sarah Araujo, as relações do direito contemporâneo seguem
traços colonialistas, estabelecendo uma “linha abssal” entre o interesse das
potências o desenvolvimento do sul (conceito de Boaventura de Souza Santos da
epistemologia do Sul: hierarquia estabelecida entre os conhecimentos valorizados-
norte- e o silenciados -sul). Dessa forma, o mecanismo de domínio, segundo a autora
citada alhures, engendra-se por monoculturas metonímicas, isto é, elementos que
expurgam qualquer proatividade cultural e epistemológica do sul. Dentre às 5
monoculturas por ela citadas, a do saber jurídico implanta uma hierarquia classista
em que os grupos dominantes (nesse caso
os latifundiários brasileiros) apresentem maiores instrumentos de atuação. Por outro lado, a monocultura da produção
implanta a subserviência do país do sul na tutela produtiva mundial. No entanto,
o Brasil vice hoje como uma potência do agronegócio. Portanto, não é fortuito
justificar que chancelas internacionais que barram produtos brasileiros e fortalecem
mercados nacionais existam, como possíveis exemplos: o caso da proibição da
laranja brasileira no EUA em 2009 e da proibição da carne brasileira no mercado
europeu em 2018.
Extraído toda a ambiguidade da questão, tomo como fundamental
interpretá-la à luz do objetivo do Estado de Direito Brasileiro: a dignidade da
pessoa humana. Nesse caso, destarte, torna-se fundamental silenciarmos a
monocultura do saber jurídico que supõe o direito à propriedade como absoluto.
Ademais, a ocupação do MST foi de uma área na qual o notório saber local
categorizava-a como improdutiva e os documentos inseridos nos altos
apresentavam a possibilidade de alteração temporal (redigidos anteriormente ao
fato). Mesmo ressaltando a monocultura da produção do norte que busca quebrar
com o desenvolvimento latifundiário brasileiro, é mister pontuar que a área
apresenta metria insignificante ao montante da propriedade, cabendo ao proprietário
o ônus da prova.
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