O estudo da ciência jurídica proporciona uma visão
histórica sobre as finalidades e os formatos do Direito para diferentes
sociedades, ainda que, como levantado pela doutora em Direito Sara Araújo, o
projeto jurídico tenha sido elaborado e racionalizado pela modernidade. Essa
perspectiva investigativa do Direito através do tempo se relaciona com o
posicionamento de Sara em seu texto "O primado do Direito e as exclusões
abissais: reconstruir velhos conceitos e desafiar o cânone.", uma vez que
o conhecimento sobre a organização social desde as rígidas regras de
comportamento da Lei de Talião até a concretização dos Direitos Humanos no
Direito Internacional auxilia na compreensão do Direito como ciência viva na contemporaneidade.
Assim, percebe-se a importância da integração de experiências históricas e
atuais na construção e na utilização de um Direito renovador e real, isto é,
aberto à realidade e às exigências da diversidade de situações e do pluralismo
de ideias e condutas, quebrando com padrões civilizacionais reforçados por um
Direito apático e repleto de cânones universalizados.
Tendo em vista o caráter de adaptação na perspectiva
histórica do Direito anteriormente relatada, afirma-se o conceito tratado pelo
sociólogo Pierre Bourdieu de autonomia relativa do Direito, o qual é
continuamente provocado e engendrado pela sociedade e suas condições históricas
particulares. Sendo assim, ao destacarmos o mundo prático e real do Direito é possível
relacionar os conceitos de Sara e de Bourdieu em um Agravo de Instrumento de
2001 da 19º Câmara Cível do Rio Grande do Sul relatado pelo Desembargador Carlos
Rafael dos Santos Junior, cujo julgamento versava sobre o indeferimento de
reintegração de uma propriedade rural após entrada do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Esse agravo encontra grandes
questionamentos tanto em seus aspectos jurídicos quanto em seus reflexos
sociológicos ao confrontar as realidades sociais da economia capitalista e dos
direitos fundamentais do ser humano.
Como visto no texto do agravo, a reintegração levanta questionamentos sobre a conceituação da Função Social da Propriedade e seus reflexos na economia e na sociedade, observando os efeitos da entrada do MST em terras latifundiárias improdutivas. Essa mudança no modelo de utilização da terra pelo MST faz com que a propriedade deixe de servir para a economia de exportação de soja, milho e trigo, provocando uma ruptura no padrão civilizacional explorado por Sara Araújo e seu estudo sobre a persistência do colonialismo e do imperialismo no Brasil atual em um contexto de "etnocentrismo epistemológico" voltado para a universalização dos cânones e das razões do Norte e o consequente silenciamento das especificidades do Sul do globo terrestre – sendo tal argumento baseado na teoria das Epistemologias do Sul de Boaventura de Sousa Santos. Isto é, o colonialismo pautado na dependência de uma economia periférica de agro exportação deixa de ser reforçado a partir da entrada do MST e de sua atividade voltada para o abastecimento agrícola da economia interna brasileira com um uso mais ecológico e consciente da terra. Além disso, como visto no Relatório do agravo, casos como esse comprovam a necessidade de adaptação do Direito à sociedade, situação ilustrada pela alteração na Constituição de 1988 da Função Social da Propriedade, a qual passou a ser mencionada não apenas como fator econômico e social, mas como garantia fundamental do cidadão brasileiro, demonstrando as novas necessidades das especificidades jurídicas brasileiras.
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