Utilizando
o direito para dirimir exclusões abissais
No julgamento,
pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, do Agravo de instrumento Nº 70003434388,
julgou-se um pedido de reintegração de posse de propriedade rural, onde um
grupo de integrantes do MST, haviam feito uma ocupação, tendo por alegação
principal que tal propriedade não cumpria com a função social da terra. Esta talvez
seja a luta primordial que acontece no Brasil desde a sua colonização, a luta
por terras. Faço aqui uma antecipação, a reintegração de posse foi negada sob a
alegação de que a propriedade não cumpria com a sua função social, ou seja, não
era produtiva, assim sendo, falemos sobre o que isto representa.
Ao falarmos de
colonização podemos remeter ao texto de Sara Araújo, socióloga portuguesa,
assim como, aos textos de Boaventura Santos, que tratam sobre a constituição de
uma ecologia de saberes, tal linha de pensamento segue a proposição de que a
divisão que se encontra na construção de saberes também segue uma divisão colonial
entre metrópoles e colônias, assim o conhecimento é produzido na região
metropolitana que exporta seu modo de pensar para a “colônia”, contudo, o que
se produz no outro lado das linhas divisórias invisíveis que dividem o norte do
sul, a metrópole da colônia, os detentores do conhecimentos dos que necessitam
de tais conhecimentos.
Esta dicotomia
entre o norte e sul e suas epistemologias de saberes nos leva ao caso do
julgado em si, onde duas correntes contraditórias buscam resultados satisfatórios
entre si através do direito, uma delas os proprietários que ao acionarem a justiça
e pedir uma reintegração de posse de propriedade, representam a construção epistemológica
do norte, que utiliza-se do saber jurídico instituído para assim manter sua
propriedade, pois como diz Sara Araújo “A modernidade eurocêntrica é um projeto
tanto epistemológico quanto jurídico”, enquanto do outro lado temos a
epistemologia do sul representada pelo MST.
Por outro lado,
o MST e sua luta pelo direito resguardado pela Constituição Federal Art. 5º,
inciso XXIII que versa sobre a propriedade cumprir uma função social, representa
a epistemologia do sul, já que em sua grande maioria os assentamentos rurais
são responsáveis pela agricultura de subsistência no Brasil, e o MST o grande responsável
pela produção de produtos orgânicos, se pegarmos os capítulos da Constituição
Federal em que versam sobre a ordem econômica e financeira, basicamente no Art.
170, nos incisos III, IV, VI, e VII, teremos que a propriedade visa dirimir
desigualdades sociais, assim como oferecer qualidade de vida e oferecer um
baixo impacto ambiental do que é produzido em seus espaços.
Assim, por fugir
a lógica capitalista colonial da monocultura, tanto no aspecto da produção econômica
quanto no aspecto cultural e de produção de saberes, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais sem Terra, representa neste caso aos olhos de quem vê assim, o atraso,
pois utilizam-se de apropriações de áreas consideradas improdutivas, ou seja,
que não cumprem com a função social da propriedade para forçar a justiça a
definir e promover a busca por igualdade social que o Estado tem falhado miseravelmente
durante décadas.
Deste modo, se
analisarmos o que nos diz Sara Araújo, o MST busca através de suas ocupações se
fazer presente dentro do espectro da formação e construção epistemológica do
sul, aglutinando o que mais representa a epistemologia do norte, ou seja, utilizando-se
de mecanismos jurídicos, pensados para perpetuar as discrepâncias, para assim fazer
dirimir tais distâncias, pois ao criar-se uma nova dinamicidade em relação as
tensões sobre o uso e propriedade da terra podemos partir disso pensarmos
mecanismos para a criação de uma nova ecologia de saberes que englobe saberes característicos
do sul e ao mesmo tempo possa se fundir com que melhor servir de saberes do norte,
sem que haja imposições por parte dos representantes do neocolonialismo.
Cassiano Mendes Cintra
1º ano Direito Noturno
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