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domingo, 1 de setembro de 2019


Utilizando o direito para dirimir exclusões abissais
No julgamento, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, do Agravo de instrumento Nº 70003434388, julgou-se um pedido de reintegração de posse de propriedade rural, onde um grupo de integrantes do MST, haviam feito uma ocupação, tendo por alegação principal que tal propriedade não cumpria com a função social da terra. Esta talvez seja a luta primordial que acontece no Brasil desde a sua colonização, a luta por terras. Faço aqui uma antecipação, a reintegração de posse foi negada sob a alegação de que a propriedade não cumpria com a sua função social, ou seja, não era produtiva, assim sendo, falemos sobre o que isto representa.
Ao falarmos de colonização podemos remeter ao texto de Sara Araújo, socióloga portuguesa, assim como, aos textos de Boaventura Santos, que tratam sobre a constituição de uma ecologia de saberes, tal linha de pensamento segue a proposição de que a divisão que se encontra na construção de saberes também segue uma divisão colonial entre metrópoles e colônias, assim o conhecimento é produzido na região metropolitana que exporta seu modo de pensar para a “colônia”, contudo, o que se produz no outro lado das linhas divisórias invisíveis que dividem o norte do sul, a metrópole da colônia, os detentores do conhecimentos dos que necessitam de tais conhecimentos.
Esta dicotomia entre o norte e sul e suas epistemologias de saberes nos leva ao caso do julgado em si, onde duas correntes contraditórias buscam resultados satisfatórios entre si através do direito, uma delas os proprietários que ao acionarem a justiça e pedir uma reintegração de posse de propriedade, representam a construção epistemológica do norte, que utiliza-se do saber jurídico instituído para assim manter sua propriedade, pois como diz Sara Araújo “A modernidade eurocêntrica é um projeto tanto epistemológico quanto jurídico”, enquanto do outro lado temos a epistemologia do sul representada pelo MST.
Por outro lado, o MST e sua luta pelo direito resguardado pela Constituição Federal Art. 5º, inciso XXIII que versa sobre a propriedade cumprir uma função social, representa a epistemologia do sul, já que em sua grande maioria os assentamentos rurais são responsáveis pela agricultura de subsistência no Brasil, e o MST o grande responsável pela produção de produtos orgânicos, se pegarmos os capítulos da Constituição Federal em que versam sobre a ordem econômica e financeira, basicamente no Art. 170, nos incisos III, IV, VI, e VII, teremos que a propriedade visa dirimir desigualdades sociais, assim como oferecer qualidade de vida e oferecer um baixo impacto ambiental do que é produzido em seus espaços.
Assim, por fugir a lógica capitalista colonial da monocultura, tanto no aspecto da produção econômica quanto no aspecto cultural e de produção de saberes, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, representa neste caso aos olhos de quem vê assim, o atraso, pois utilizam-se de apropriações de áreas consideradas improdutivas, ou seja, que não cumprem com a função social da propriedade para forçar a justiça a definir e promover a busca por igualdade social que o Estado tem falhado miseravelmente durante décadas.
Deste modo, se analisarmos o que nos diz Sara Araújo, o MST busca através de suas ocupações se fazer presente dentro do espectro da formação e construção epistemológica do sul, aglutinando o que mais representa a epistemologia do norte, ou seja, utilizando-se de mecanismos jurídicos, pensados para perpetuar as discrepâncias, para assim fazer dirimir tais distâncias, pois ao criar-se uma nova dinamicidade em relação as tensões sobre o uso e propriedade da terra podemos partir disso pensarmos mecanismos para a criação de uma nova ecologia de saberes que englobe saberes característicos do sul e ao mesmo tempo possa se fundir com que melhor servir de saberes do norte, sem que haja imposições por parte dos representantes do neocolonialismo.

Cassiano Mendes Cintra
 1º ano Direito Noturno

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