Segundo a lógica adotada por Pierre Bourdieu, o direito
como uma força autônoma diante das pressões sociais deve ser evitado, haja
vista que a população exerce grande influência na maneira como o ordenamento
jurídico exerce suas decisões sobre a sociedade. Em torno dessa perspectiva é
possível discutir a questão do aborto de anencéfalos que ainda hoje gera
bastante debate e discordância, principalmente por parte de grupos religiosos,
que quando respeitam as diferenças merecem todo o respeito e devem ser levados
em consideração.
No entanto, tal discordância trata-se de um grande
equívoco, uma vez que a discussão não está resumida simplesmente em torno da capacidade
potencial de vida do feto em se tornar uma pessoa, mas sim da mãe de decidir o
que é o melhor para si própria, quando sua vida claramente corre risco. Gestar
durante nove meses um feto anencéfalo é uma angústia e frustração para quem
nutre um sentimento que jamais vigorara, tendo em vista que a maioria não chega
a sobreviver. Tal situação configura um desrespeito aos direitos reprodutivos
das mulheres que atravessaram gerações buscando igualdade entre os sexos, para
o Estado decidir por elas o direito de seguir ou não com a gravidez.
Usando o código penal para embasar a permissão de aborto de
anencéfalos, é possível asseverar que isso não constitui crime, dado que o
aborto no código penal pressupõe potencialidade de vida o que não ocorre nessa
situação. Portanto, cabe somente a mãe a incumbência de decidir se deve passar
por todo processo de gestação. Em países desenvolvidos como, por exemplo, Canada, Estados Unidos, França e Alemanha não
criminalizam a interrupção da gravidez no caso de anencefalia, como também não
criminalizam a interrupção da gestação quando se dá até a 12ª semana de gestação.
Como o Brasil ainda discute de uma maneira rasa esse tipo
de assunto é provável dizer que a criminalização do aborto é um fenômeno do subdensenvolvimento
e, portanto deve ser revista de maneira rápida, pois o atraso cobra e perturba.
Ademais, não é possível deixar de levar em conta que o aborto é um trauma, que
por conseguinte o Estado deve se empenhar para prevenir que ele aconteça
promovendo educação sexual nas escolas e meios contraceptivos para a população.
O aborto deve ser visto como um problema de saúde pública e não criminal, visto
que uma mulher morre um dia sim outro não, por causa de um aborto mal sucedido.
Ser contra ele, portanto nada mais é do que ser contra a vida.
Ayrton Hiakuna - Direito Matutino
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