O Direito como um
sistema simbólico que, segundo Pierre Bourdieu, é uma esfera da sociedade,
dimensão invisível – campo, que engendra símbolos próprios na constituição social
com a finalidade de se distinguir. Portanto, dentro do campo jurídico há
estruturas- símbolos- próprias como a linguagem jurídica e as instituições que
compõem essa esfera, por exemplo, os tribunais.A lógica interna
desse sistema é fundamentada pelo conjunto das normas (Constituição Federal e
Códigos), jurisprudência (autonomia relativa do intérprete da lei) e doutrinas
(teóricos que possuem capitais simbólicos suficientes para racionalizar e
formalizar o sistema). Assim, para se discutir o julgado a respeito da
interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, analisemos a lógica interna do
Direito.
A priori, a Constituição
Federal, no que tange ao surgimento da personalidade civil da pessoa natural, é
fundamentada à luz da teoria conceptista como posto no artigo 2º do Cógido
Civil brasileiro: “A personalidade civil da
pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção,
os direitos do nascituro”; isto é, personalidade jurídica da
pessoa natural é adquirida desde a concepção. Contudo, partindo para a
discussão da origem da vida, comecemos pela definição do momento de morte que é
dada pelo decreto médico da falência encefálica, de acordo com o Direito brasileiro,
ou seja, a morte é pautada no aspecto neurológico. A anencefalia, seguindo tal
perspectiva neurológica da morte, não deve ser considerada vida uma vez que o
feto, ao ter sofrido má formação de seu sistema nervoso, não é passível de
perspectiva de sobrevida. Se não é considerada vida, a interrupção da gravidez
anencefálica não pode ser considerada aborto e sequer ser punida como preveem os
artigos 124, 125 e 126 do Código Penal.
Após tal abordagem, nota-se que o “espaço dos possíveis” do
campo jurídico, em seu significado para Bourdieu, sendo o espaço de atuação do
Direito e seu ordenamento, foi alterado pela jurisprudência amparada na
Constituição Federal. Outra alteração do “espaço dos possíveis” feita, pela jurisprudência
no caso da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, é a levantada
pela ministra Cármen Lúcia, quando essa faz objeção ao artigo 128 do Código
Penal, inciso I: Aborto necessário se não há outro meio de salvar a vida da
gestante. A ministra alega que "vida" nesse dispositivo está sendo
tratada apenas em seu sentido biológico, isto é, considerando apenas a saúde
física da gestante; ao passo que uma vida digna deve ser composta de um estado
saudável tanto no aspecto físico, quanto psíquico. Ao criminalizar a
interrupção da gravidez no caso de fetos anencéfalos, é desconsiderar o abalo
psicológico que a mãe sofrerá durante a gestação ao ser indagada por terceiros
sobre quando a criança irá nascer, sendo que não expectativa de sobrevida para
essa, ou então, ao ser abordada por um filho ou sobrinho relatando as
brincadeiras que eles realizarão com a criança gestada quando essa nascer.
Assim, a magistrada ao adaptar o sistema jurídico à realidade, exerce sua
função conforme visto no conceito de "divisão do trabalho jurídico"
de Bourdieu.
Por fim, deve-se quebrar a ilusão de independência do Direito em
face das relações de forças externas como visto pela APF 54 e defendido na
teoria de Bourdieu. O Direito não está alheio às forças externas, pois, uma vez
que esse campo para se legitimar e concretizar seu poder simbólico sobre os
indivíduos e os demais sistemas, utiliza-se da racionalização universal. Por
sua vez, o Direito deve exprimir uma certeza do que é de fato e não do que “deveria
ser” e para atingir tal objetivo é fulcral a incorporação de discussões que
estão emergindo da sociedade em seus ditames para que as normas continuem com
sua legitimidade e caráter universal intactos.
Sabrina Santos Macedo turma XXXV - diurno
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