Pierre Bourdieu é um expoente francês da sociologia e possui
uma atuação extremamente reflexiva no âmbito do direito. Suas ideias moldam um
direito complexo dotado de uma característica peculiar exemplificada pela sua
permanência no meandro entre a lógica e a ética e a definição de “habitus”.
Desse cenário surge o debate acerca da ADPF 54 referente ao aborto de
anencéfalos e sua argumentação pode ser feita sobre a luz desta postura mediana
e baseada na terminologia criada pelo autor.
No Código Penal artigos como o 124 elencam o aborto como
crime e merecedor de pena carcerária. Dessa forma, interromper uma vida
intrauterina com capacidade de vida torna-se assassinato aos olhos da lei.
Porém, está norma foi redigida no ano de 1940 e toda a sua sistemática foi
concebida através de uma visão de sua época revelando-se atrasada para a quadra
atual. Tal senão faz-se presente na questão dos fetos anencéfalos, visto, como
relata o Ministro Barroso em sua sustentação oral, o lei define aborto como a interrupção de uma
possibilidade de vida e o feto anencéfalo é incompatível com a manutenção da
vitalidade, ou seja, a morte é certeza neste caso. Aliado a este ponto, tem-se
o fato do imaginário social ser pautado em um maniqueísmo institucional que
estipula uma visão moralista do caso da ADPF 54. Todo ser humano possui essa
visão dicotômica entre o certo e errado e acaba por julgar situações complexas
com um parecer reducionista. No fim, uma situação delicada que acarreta em um desgaste
físico e psicológico à mulher – todo o processo de uma gravidez irá ocorrer,
porém a criança terá seu parto como seu próprio algoz – acabam por ser dosados
pela visão individual de grupos que julgam-se corretos. No fim, o primeiro
cenário mostra-se como algo meramente técnico e degrada-se em anacronismo e o
segundo revela o apelo do direito somente ao aspecto ético, ou seja, um
moralismo retrogrado e prejudicial.
Porém, como mencionado na introdução do texto, Bourdieu
menciona o direito como o fruto do equilíbrio entre o técnico e o decente. Para
tanto, o magistrado precisa equilibrar a decisão entre esses dois binômios, por
meio de uma reflexão interligada com a realidade. Este ato dar-se através da
percepção da realidade social condicionada pela própria sociedade denominada
“habitus”. Assim, através do habitus e do seu conhecimento técnico o jurista
poderá julgar de forma próxima da realidade pertinente, mas com um viés técnico
do direito. No fim, o equilíbrio definido por Bourdieu como direito seria
possível e, no caso da ADPF 54, a decisão não seria voltada para o exato
positivado ou para o senso comum conservador.
Em síntese, a não criminalização de um aborto de um
anencéfalo faz-se, além de justa, coerente. Sobre a ótica de Pierre Bourdieu,
percebe-se que o direito precisa ser pensado de forma ponderada, reflexiva e
correspondente à realidade evitando o pesar de uma decisão tecnicista ou
retrógrada.
Matheus Faria de Souza Paiva - Turma XXXV - diurno
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