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segunda-feira, 11 de junho de 2018

Decisão passível de interpretação  

   Ao ser confirmado o diagnóstico de anencefalia, um feto e sua progenitora iniciam um embate que percorre diversos campos sociais e psicológicos, pois, com a autorização legal para o aborto em casos de anencefalia desde 2012, a decisão é da mãe da criança. No entanto, essa é influenciada por várias questões como a religiosa, a ética, a da saúde física e psicológica, presentes na sociedade que levam o julgamento para além do judiciário.
   Um anencéfalo, muito provavelmente, não irá sobreviver após o nascimento, o que gera um impasse na mãe ao pensar que pode estar se afeiçoando e criando sentimento materno por um ser que não chegará a ter vida, além de que sua geração traz riscos à saúde da mulher. Ainda, pode-se citar como fatores que interferem nessa decisão a religião e valores presentes na sociedade, que estendem a problemática da legalização do aborto em outros casos para o de tal caso, usando o argumento do direito à vida e do mérito àquele que aguenta o sofrimento em prol da vida. Acontece que, por outro lado, que gerar um feto em tais condições não concorda com o direito à vida materna, em risco, e muito menos do feto.
   Juridicamente, o juiz deve ponderar o caso não somente sob a luz das leis, que, se lidas com demasiada literalidade desconsideram pontos fundamentais do princípio de socialidade e operabilidade da lei, os quais instituem que a lei deve ser passível de interpretação e encaixar-se em um certo contexto adequado ao julgamento em trânsito. Pierre Bourdieu fundamentou esses conceitos ao dizer que o campo jurídico tem uma lógica duplamente determinada, tanto pela lógica quanto pela ética, que operam simultaneamente, além de exaltar a historicização da norma, que nas suas próprias palavras “adaptando as fontes a circunstâncias novas, descobrindo nelas possibilidade inéditas (...)”. [p. 223].
   Por isso, na lógica de Bourdieu, o poder judiciário não pode acontecer se isolado de sentido histórico e de contexto histórico, e portanto a lei deve ser passível de interpretação do juiz, que acumulou poderes e é dotado de “poder simbólico” de acordo com o autor, e tem a autonomia de adaptar a lei.
  Dessa maneira, a legalização do abordo de anencéfalos deve levar em conta a realidade social atual do Brasil, que na maioria das vezes não garante condições de vida e saúde adequadas a pessoas em perfeitas condições físicas, e por isso nada permite afirmar que uma progenitora de um anencéfalo e ele mesmo receberiam tratamento público apropriado para lidar com tal situação. Além disso, ao legalizar o aborto, não há a obrigação de que todos os anencéfalos passem pelo processo, mas permite que quem o desejar, o faça com segurança, o que confere ao caso uma questão de saúde pública. Esses fatores vão além da moral religiosa tradicional que é pró-nascimento apesar de se dizer “pró-vida”, então, contemplar essa parcela da sociedade não seria a forma mais democrática de lidar com a anencefalia.



Mariana Cruz de Souza- 1º ano direito matutino

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