Decisão passível de interpretação
Ao ser confirmado o diagnóstico de
anencefalia, um feto e sua progenitora iniciam um embate que percorre diversos
campos sociais e psicológicos, pois, com a autorização legal para o aborto em
casos de anencefalia desde 2012, a decisão é da mãe da criança. No entanto,
essa é influenciada por várias questões como a religiosa, a ética, a da saúde física
e psicológica, presentes na sociedade que levam o julgamento para além do
judiciário.
Um anencéfalo, muito provavelmente, não irá
sobreviver após o nascimento, o que gera um impasse na mãe ao pensar que pode
estar se afeiçoando e criando sentimento materno por um ser que não chegará a
ter vida, além de que sua geração traz riscos à saúde da mulher. Ainda, pode-se
citar como fatores que interferem nessa decisão a religião e valores presentes
na sociedade, que estendem a problemática da legalização do aborto em outros
casos para o de tal caso, usando o argumento do direito à vida e do mérito
àquele que aguenta o sofrimento em prol da vida. Acontece que, por outro lado,
que gerar um feto em tais condições não concorda com o direito à vida materna,
em risco, e muito menos do feto.
Juridicamente, o juiz deve ponderar o caso
não somente sob a luz das leis, que, se lidas com demasiada literalidade
desconsideram pontos fundamentais do princípio de socialidade e operabilidade
da lei, os quais instituem que a lei deve ser passível de interpretação e
encaixar-se em um certo contexto adequado ao julgamento em trânsito. Pierre
Bourdieu fundamentou esses conceitos ao dizer que o campo jurídico tem uma
lógica duplamente determinada, tanto pela lógica quanto pela ética, que operam
simultaneamente, além de exaltar a historicização da norma, que nas suas
próprias palavras “adaptando as fontes a circunstâncias novas, descobrindo
nelas possibilidade inéditas (...)”. [p. 223].
Por isso, na lógica de Bourdieu, o poder
judiciário não pode acontecer se isolado de sentido histórico e de contexto
histórico, e portanto a lei deve ser passível de interpretação do juiz, que
acumulou poderes e é dotado de “poder simbólico” de acordo com o autor, e tem a
autonomia de adaptar a lei.
Dessa maneira, a legalização do abordo de anencéfalos deve levar em
conta a realidade social atual do Brasil, que na maioria das vezes não garante
condições de vida e saúde adequadas a pessoas em perfeitas condições físicas, e
por isso nada permite afirmar que uma progenitora de um anencéfalo e ele mesmo
receberiam tratamento público apropriado
para lidar com tal situação. Além disso, ao legalizar o aborto, não há a
obrigação de que todos os anencéfalos passem pelo processo, mas permite que
quem o desejar, o faça com segurança, o que confere ao caso uma questão de
saúde pública. Esses fatores vão além da moral religiosa tradicional que é
pró-nascimento apesar de se dizer “pró-vida”, então, contemplar essa parcela da
sociedade não seria a forma mais democrática de lidar com a anencefalia.Mariana Cruz de Souza- 1º ano direito matutino
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