O
aborto sempre foi um tema gerador de grandes polêmicas, mas foi-se o tempo em
que seu repúdio era uma verdade universal e pensamento unânime da sociedade.
Mudam-se os tempos, mudam-se os pensamentos e, portanto, se faz necessário
mudar o Direito.
Bourdieu
defende que os juízes, por meio da prática, adaptam o direito às novas
realidades. O direito entregue somente à teoria se fecharia em um sistema
racional rígido que não corresponderia mais à realidade, e é nisso que consiste
a crítica de Bourdieu a Kelsen, já que a teoria pura do direito do austríaco
coloca a esfera da norma acima e independente das outras duas, as esferas do
valor e do fato. Embora esse último sistema garanta uma segurança jurídica
muito bem estruturada, ela permite barbáries como a legitimação jurídica do
nazismo e a marginalização das causas de minorias, sem poder político
representativo para positivar avanços necessários. Nesse ponto, Bourdieu até
traça um diálogo com Barroso, que julga como necessária a judicialização por
esses motivos. Segundo o francês, os juízes “introduzem as mudanças e as
inovações indispensáveis à sobrevivência do sistema que os teóricos deverão
integrar no sistema” (BOURDIEU, 1989, p.221)
Sabendo
disso, fica mais fácil entender por que o aborto, de forma geral, não é considerado
como opção válida no âmbito da moral geral. Considerando o monopólio da influência
religiosa na moral brasileira, o aborto sempre será, para a maioria, um ato
abominável, e é nesse contexto que a judicialização é importante. Apesar de
estarmos falando sobre o aborto de anencéfalos, os dois temas são intrínsecos,
por que foi por meio desta, em 2002, que o aborto de anencéfalos foi,
finalmente, permitido. E isso é uma grande conquista. Se há um consenso sobre a
morte, ele gira em torno da chamada morte cerebral, e embora haja uma intensa
discussão para – parafraseando Bourdieu novamente, ter o direito de dizer o
direito – definir qual é o início da vida, para um anencéfalo não pode haver
possibilidade de vida, se já há “morte” desde o período em que o sistema nervoso
deveria se formar corretamente. Define-se como morte cerebral o fim de todas as
atividades cerebrais, e sem um cérebro, elas não podem existir.
O
aborto de anencéfalos é uma maneira de adiar o inevitável, poupar a saúde
física e psicológica da mãe e uma decisão pessoal. O discurso das alas
antiabortivas faz nos pensar que o que foi decidido não é a possibilidade do
aborto – em geral, nesse caso, o de anencéfalos – e sim a obrigatoriedade do aborto, o que não é o caso. Com a legalização,
temos uma consagração do direito de escolha da mãe, que irá conservar suas
saúdes e sua honra, indiferentemente da decisão.
Diego Sentanin Lino dos Santos. Direito Matutino, turma XXXV
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