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segunda-feira, 11 de junho de 2018

O aborto de anencéfalo à luz do Espaço dos Possíveis


O Movimento Feminista no Brasil tem suas origens no século XIX, época em que a condição da mulher acompanhava as desigualdades sociais e econômicas no país. A sociedade escravista oprimia a mulher negra por sua condição de escrava, e a mulher branca por limitá-la a se dedicar somente a tarefas do lar. Dois séculos depois, observa-se um progresso da luta feminina, que alcançou conquistas como o direito à educação, ao voto e à liberdade sexual. Da mesma forma, atualmente, o Movimento encontra-se engajado com questões que dizem respeito à preocupação com o corpo da mulher e o uso que a sociedade faz do mesmo. Um aspecto de discussão dentro dessa pauta é o aborto de anencéfalo.

Pierre Bordieu (1930-2002), sociólogo francês autor da obra “O Poder Simbólico”, dedicou-se a entender a dinâmica do funcionamento do campo jurídico. Para ele, a ciência do Direito deveria evitar o Instrumentalismo (fruto de ideais marxistas que interpretavam o Direito somente sob a perspectiva de uma ciência a serviço da classe dominante), assim como o Formalismo (analisando o Direito sob a visão de Kelsen, como um fundamento em si mesmo). Defendia também, que igualmente aos outros núcleos da vida cotidiana, a matéria de seu estudo possuía um poder simbólico, cuja posição de cada indivíduo dentro de sua dinâmica seria determinada pelo acúmulo de recursos específicos da área.

Ademais, é dele o pensamento acerca do espaço dos possíveis, este especificado pela lógica interna das obras jurídicas, fazendo com que o Direito variasse em cada época, submetido a termos delimitados de possibilidades. Cada movimento social ou mesmo uma diretriz política possui um habitus, que se define como uma interpretação própria acerca de um aspecto da realidade, no entanto, para que o mesmo se faça manifesto no campo jurídico, é necessária a adequação à linguagem neutra e universal da ciência em pauta. Assim o fez o Movimento Feminista, para alcançar a contemplação de suas lutas, ele condicionou suas demandas à área do Direito como forma de ter voz neste âmbito.

No ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal assumiu uma posição a favor do aborto de anencéfalos mediante a ADPF 54, estipulando que o feto sem cérebro, mesmo que biologicamente vivo, era juridicamente morto, uma vez que não possuía potencialidades de vida a longo prazo. Tal decisão levou em consideração a saúde física e psíquica da mulher, além de seu direito de autonomia da vontade e liberdade. Sendo assim, fica clara a positivação de um novo habitus, que vai de encontro ao pensamento da comunidade médica e das demandas feministas, mas que, simultaneamente, opõe-se à moral religiosa no que diz respeito à vida.

Logo, conclui-se, à luz da discussão sobre o aborto de anencéfalos e do pensamento de Pierre Bordieu, que o Direito é uma ciência, na qual, em seu espaço dos possíveis, encontra-se uma constante disputa para dizê-lo. Aparentemente, a decisão do STF parece proporcional à realidade, a medida que dá às mulheres um poder de escolha de seguir ou não com a gravidez, considerando-se os riscos para sua integridade vital, além de ampará-la juridicamente para fazê-lo.

Maria Eduarda Buscain Martins. Turma XXXV. Matutino

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