Com
base nas ponderações de Boaventura de Sousa Santos, considera-se existência de um embate entre
a classe conservadora dominante e a extensa massa de desvalidos explorados em
que a primeira se firma no poder por intermédio de uma política neoliberal,
promovida por uma globalização hegemônica; já a segunda busca o rompimento
desta teia por intermédio de práticas revolucionárias e dispersas entre os
povos, mundialmente tratando. A este momento de intenso conflito, Boaventura interpreta
como período de transição, no qual é possível perceber a tensão engendrada, de
um lado, pela regulação social existente, e, por outro lado, pela emancipação
social. Para o autor, o papel do direito estatal seria o de agir como árbitro
na gestão da tensão entre a regulação e a emancipação.
Pois
bem, um exemplo evidente a se discorrer, a partir deste contexto, é a questão
do idoso no cerne jurídico. Inicialmente, o reconhecimento de seu status legal se deve a uma intensa luta
de consolidação paulatina pelos seus direitos ao longo da História. Começando
pelo código Hamurabi, há as primeiras distinções jurídicas entre a infância e a
idade adulta, contidas em um bloco de pedra com 22 artigos gravados, [...] e
com formas de consideração e direitos dos velhos em meio às suas disposições. (FERNANDES,
1997, p.30). Depois, O Estado – Previdência, que foi implementado pelo
Chanceler Bismarck (1889), na Alemanha, iniciando-se o processo de
aposentadoria. Desse modo, nascia uma revolução social com medidas, as quais
estabeleciam uma consciência prática de seguridade social, a partir de leis de
vários Estados (FERNANDES, 1997, 35).
A
Inglaterra, no entanto, foi o primeiro país a formalizar programas de cuidados
especiais em função do envelhecimento, iniciados pouco depois da II Guerra
Mundial. Muitos, assim como soldados veteranos, desajustados e com
envelhecimento precoce, obrigaram o País a implantar serviços geriátricos e
gerontológicos que, desde 1947-48, deram ao país grande dianteira nesse setor.
Simone
de Beauvoir (1976), em seu livro “A velhice: a realidade
incômoda”, esclarece que a velhice era um fenômeno peculiar às classes mais
abastadas, visto que elas possuíam melhores condições de vida para chegar a
esta fase em razão de sua privilegiada condição socioeconômica, enquanto as
classes trabalhadoras dificilmente envelheciam, pois eram expostas às condições
insalubres do ofício, bem como, às longas jornadas. A este respeito, Fernandes (1997) assegura
que com o advento da idade da máquina, começou a modernização da economia e a
adoção de seus princípios fundamentais. A jornada de trabalho, ocupando
crianças, adultos e velhos, de ambos os sexos, era de quatorze a quinze horas. Para
ela, o trabalho demorou para que ganhasse sentido humanizador e se entendesse
que o trabalhador cansado e desgastado merecia alguma consideração.
Coube
à Argentina, em 1948, solicitar à ONU atenção para o problema crescente da
população idosa, constatada em vários países. O fato se refletiu no texto da
Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 1948), onde se colocou a
questão da velhice como fato de responsabilidade de todos os Estados.
(FERNANDES, 1997, p.35).
Com efeito, o estabelecimento deste pano
de fundo, de forma sucinta e espaçada, é para demonstrar: primeiro, a luta
pelas conquistas sociais dos idosos pelos seus direitos. A este respeito, vê-se
a intervenção do direito regulador, com a criação de normas, para estabelecer,
por sua vez, não só a emancipação desse estrato social, mas também a gradativa melhoria
de sua qualidade de vida, que pode ser considerada, de acordo com Boaventura,
uma verdadeira revolução social rumo a um direito libertador. Assim,
poder-se-ia entender que a regulação social estaria para o Direito, assim como
a emancipação está para revolução.
Segundo,
essa luta não foi reflexo de uma mobilização de um povo, apenas, mas de vários,
o que se configura como uma legalidade cosmopolita subalterna, que para
Boaventura, configura-se nas lutas empreendidas por grupos sociais, redes,
organizações e movimentos locais, nacionais e transcendentais de todos os
lugares, a partir da semelhança de suas demandas. De sorte que o reconhecimento do idoso no
âmbito do Direito é um significativo modelo da legalidade cosmopolita, a qual
visa aprofundar a globalização contra - hegemônica, sendo esta condição necessária
para a emancipação social e para a garantia de um futuro progressista, ou seja,
nas palavras do autor, na direção de uma ordem e de uma sociedade boas,
pautadas na inclusão e no respeito. Salienta-se que graças a essa conquista, a
emancipação social foi possível por meio do Direito.
Terceiro, de acordo
com Boaventura, nesta relação, pode-se perceber a convivialidade, na qual há uma reconciliação voltada para o futuro.
Assim, “os agravos do passado são resolvidos de maneira
a viabilizar sociabilidades alicerçadas em trocas tendencialmente iguais e na
autoridade partilhada”, o que é perceptível na implementação de leis de
proteção aos idosos no interior de um sistema, por excelência, individualista,
intolerante e que enxerga o idoso como um estorvo. Finalmente, é necessário que
haja a evolução de um Direito regulador para um Direito emancipatório, no
sentido de contemplar a transformação social no que tange ao idoso e ao seu
lugar na pós-modernidade.
Referências bibliográficas:
BEAUVOIR,
Simone. A velhice: a realidade incômoda.
São Paulo: Difel, 1976.
FERNANDES, Flávio da Silva. As pessoas idosas na legislação brasileira.
São Paulo: LTr,1997.
Luciana Molina Longati - Turma: XXXIV - Noturno
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