O direito é uma esfera superestimada na sociedade em virtude de sua força normativa e ordenativa. Além de impor uma ordem, um modelo de conduta que irá pautar a harmonização e o equilíbrio da convivência das relações sociais mais diversas, o direito, não obstante, irá solucionar e elucidar os conflitos e contradições de diferentes visões sobre questões difusas. No entanto, o que me traz incredulidade acerca de ver o direito como a ferramenta ou o instrumento que irá transformar a realidade ou emancipar a sociedade de uma realidade obsoleta, é que o direito é feito, controlado e aplicado por pessoas. E, essas pessoas, como todas as outras, têm interesses, vaidades, e diferentes visões que variam à partir da realidade social em que nasceu e se muniu de costumes, especificidades, necessidades, valores e toda a construção social que todos indivíduos têm conforme o desenrolar de sua vida. Ocorre que, sendo o direito coordenado por pessoas - e que essas pessoas, comumente, são advindas de uma realidade de privilégios, de famílias influentes e do alto padrão opulento social - ele naturalmente será desigual e, portanto, regulador, controlador e inflexível no seu âmago. Embora em algumas resoluções do STF, tal como o episódio das cotas, ele se mostrará como emancipatório, como consciente e preocupado com essas questões, na realidade, sabemos que é diferente. Entrando na competência exclusiva desse caso das cotas raciais e da equiparação social pela questão racial, faremos um recorte histórico para provar que o próprio direito distanciou, segregou e determinou que a raça negra ficasse estagnada e marginalizada tanto econômica quanto socialmente. O Brasil aboliu a escravidão oficialmente em 1888, contudo, essa temática já estava no arquétipo dos governantes brasileiros há tempos em virtude do contexto socio-político-econômico em que o mundo estava rumando. Isso demorou somente para que fosse feita da forma menos dolorosa para os donos de escravos. Sancionada somente duas semanas depois da Lei Eusébio de Queirós, a "Lei de Terras" engendrava o fim da apropriação de
terras: ninguém conseguiria adquirir ou se apropiar de alguma terra pelo trabalho, somente pela compra do estado. As terras estavam totalmente sob posse do Estado e ele poderia definir quem as compraria. Essa lei, não obstante impossibilitar os escravos de obter terras pelo trabalho, também estabelecia o enfoque de subsidiar colonos estrangeiros para incidirem no país, depreciando, assim, o trabalho e as oportunidades dos negros. Com a tão esperada abolição, o que aconteceu foi um completo abandono, não existindo nenhum amparo ou suporte estatal para inserção dos mesmos na estrutura de trabalho, consumo e normalidade. Sem terras, sem indenização, sem nada. Agora, sim. Os negros podiam ser livres que não iriam ameaçar o status quo da elite. Não podiam agir dentro do estado. Estavam relegados e fadados a vidas e vidas, gerações e gerações de desprezo e de subalternização. O que isso suscitou, todos sabem. A realidade atual. Marginalização, desigualdade, pobreza. 45% da população brasileira é negra. Somente 2% dos universitários de todo o Brasil são negros. Esse é só um exemplo relevante histórico que corrobora para a ideia desenvolvida. Essa lei foi promulgada por pessoas, que, como supracitado, tinham ideais, valores, intenções e realidades que queriam conservar e melhorar. Pensando individualmente, fizeram o que fizeram e estigmatizaram a sociedade brasileira, enraizando o que vemos até hoje.
Dessa forma, abordados os argumentos e os fatos que tangenciam essa questão, concluo que o Direito pode ser emancipatório, mas isso depende das pessoas. Portanto, devemos nos apegar às pessoas, à educação, ao serviços públicos que fomentem as melhores condições de vida para todas, tentando coibir as desigualdades sociais, raciais e econômicas. Como dizia Foucault, o poder justaposto ao conhecimento, gera controle social. Ou seja, quem tem poder, tem conhecimento, e tendo os dois juntos, tem tudo. E, para conservar esse status, não fornecem educação pública de qualidade para que a ignorância continue sendo funcional de alguma forma. Porque, para que esses pequenos grupos sejam privilegiados, o resto têm que ser explorado, e, para serem explorados, têm que ser alienados e resignados a essa situação, mas, para serem alienados, têm que ser ignorantes, e assim vai. O direito, como sendo ciência dos eruditos, inteligentes, ou seja, dos privilegiados, serve como instrumento de controle social e regulação de uma realidade programada, condicionada e moldado com determinado fim de determinado grupo. O direito, tem, sim, força para transformar a realidade, todavia, não é isso o que vemos estruturalmente. O potencial de emancipar existe, mas depende de GENTE, gente que não é como a gente, por isso não liga pra gente.
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