Em seu artigo “Poderá o Direito ser
Emancipatório?”, um dos maiores juristas portugueses da contemporaneidade,
Boaventura de Sousa Santos, defende a adoção de um caráter progressista do uso
das normas, um direito atento às demandas sociais do universo concreto e
contrário às discordâncias do status quo.
Assim, o autor encara o poder judiciário como instrumento capaz de garantir uma
igualdade real diante das diferentes estratificações presentes na sociedade, e
não uma isonomia “cega” e mantenedora de um fascismo social anômico.
Facilmente enquadrado nos escritos
de Boaventura, encontra-se o impasse, ocorrido em 2009, mediante a adoção das
cotas raciais reservadas para 20% das vagas oferecidas pela Universidade de
Brasília (UNB)e a alegação de inconstitucionalidade desta reserva, realizada com
maior ênfase pelo partido Democratas. Este embate, quando analisado pelo prisma
do direito emancipatório, representa uma exemplificação perfeita entre os
conceitos de Boaventura e a visão de um direito como ferramenta de cumprimento dos
status dominante.
Em tese, para o partido Democratas,
a adoção das cotas raciais na UNB seria um afronte ao artigo quinto da
Constituição que prega a igualdade de direitos dentre os cidadãos brasileiros,
visto que os 20% reservados garantiriam um privilégio indevido aos negros e
pardos que o usufruíssem. Desse modo, as cotas raciais caracterizariam um ato
inconstitucional e inexato mediante a pluralidade da miscigenação, específica do
povo brasileiro, que dificultaria a definição dos beneficiados pelas reservas
em questão. Em sua ação, o DEM inclusive chega a questionar se a decisão da
Universidade não estaria defendendo o
conceito de nação bicolor, "negros" e "não negros", o que
poderia vir a reafirmar a construção de uma nação polarizada.
Tais afirmações constituem, na
verdade, excluem os aspectos sociais e históricos na construção da sociedade
brasileira, bem como negam o caráter da Constituição como fruto de seu tempo. A
igualdade pregada pela Magna Carta, mais enfaticamente em seu artigo quinto,
constitui um conceito extremamente subjetivo e muito mais amplo do que a
simples aplicação de leis a todo e qualquer individuo inserido na sociedade
brasileira. Partindo da interpretação obra de Boaventura, a isonomia pregada pelos Estados Sociais é,
na verdade, a busca pela percepção das demandas sociais vigente; é a
preferência do concreto sobre o teórico; e principalmente a ideia de equidade
como um valor a ser alcançado, através do direito, não como uma competência já
estabelecida.
A alegação de inconstitucionalidade
das cotas raciais da UNB e de sua dificuldade de aplicação é dar as costas às
crises da realidade em detrimento do status
quo; é a concretização do fascismo social. Desse modo, a abertura das
universidades para as classes historicamente desfavorecidas pelo Estado, na
verdade, é um grande instrumento para o favorecimento da igualdade por entre o
brasileiros e, logo, um exaltador do artigo quinto da C.F. Ademais, a
miscigenação brasileira nunca foi suficiente para minimizar a estrutura desigual
baseada na etnia, fazendo com que pareça não ser árdua a tarefa de distinguir
os que devem ou não ser favorecidos pela decisão tomada pela UNB em 2009.
O direito pode, e no Estado
Democrático de Direito deve, ser denominado como emancipatório. Concordando com
o STF, as cotas obrigatórias garantem um pequeno progresso na hegemonia educacional
vigente e a emancipação de uma classe historicamente desfavorecida pelo
fortalecimento desenfreado do fascismo social.
Lucas Correa Faim - Noturno
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