Nesse post, tentaremos associar o texto “Poderá o Direito ser
emancipatório?” de Boaventura de Souza com a questão das cotas
raciais no Brasil.
Inicialmente, a partir do que diz Boaventura, é necessário
perceber o Direito como algo em constante mutação diante das
rápidas e fortes mudanças sociais vividas pela sociedade nos
últimos tempos.
Com base no conceito da Hermenêutica diatópica, em que a
interpretação ocorre sob diferentes perspectivas, faz-se necessária
uma interpretação não hegemônica haja vista todas as culturas
serem incompletas.
Dito isto, traz-se um conceito associado ao estado Liberal da
“dialética regulada”, baseada no binômio Regulação-Emancipação,
em que a emancipação social deixa de ser perspectiva oposta à
regulação social, ou seja, passam a “andar juntas” com vistas
ao progresso social, um dos objetivos presentes em nossa Constituição
federal de 88, por exemplo.
Entretanto, vivemos um período de retrocesso social mundial,
percebido no Brasil, com as atuais discussões politicas acerca de
temas como as reformas trabalhista e previdenciária. Vemos a
emergência do conservadorismo que busca desmantelar os mecanismos
por meio dos quais o Direito se transformou em instrumento da mudança
social.
E é necessário entender o porquê disso. Diante de sucessivas
crises econômicas nos últimos anos, colocou-se em xeque os ideais
revolucionários contra o Estado Liberal e a economia capitalista,
por exemplo.
Além disso, no Brasil, diante de um impeachment cercado de muitas
incongruências jurídicas, engendrado pelas classes hegemônicas,
reforçou-se a crítica do modelo social/revolucionário dos ditos
governos de esquerda nos últimos anos.
Disso podemos concluir que vivemos um período de desintegração da
regulação social e da emancipação social, o que faz surgir essa
força reacionária conservadora que destrói os direitos sociais do
povo em prol dos poucos que detém o capital.
Sobre a questão das cotas, incluída nesse momento de retrocesso
social, cabe algumas ponderações. A princípio, sou a favor desse
sistema. Entretanto, a questão não se deveria ater somente à
questão da raça, mas também à questão social, como forma de
aplicação plena do princípio constitucional da igualdade.
Sem adentrar muito nesse tema, para corroborar com a minha opinião
a favor das cotas, gostaria de trazer a posição de Fábio Konder
Comparato, assinalando que a Constituição de 1988 adotou o chamado
Estado Social, que tem a obrigação de atuar positivamente no
combate às desigualdades de qualquer natureza. Tal dever, segundo o
mencionado professor, estaria estampado, em especial, no art. 3o, III
e IV, do Texto Magno. O descumprimento desse comando representaria a
completa desconfiguração do perfil do Estado brasileiro desenhado
pelos constituintes, cuja principal missão seria promover a justiça
social. Anotou, por fim, que ao Supremo Tribunal Federal competiria
apenas decidir sobre a constitucionalidade ou não das políticas
públicas submetidas a seu exame, não cabendo à Corte emitir
qualquer juízo de valor acerca da eventual eficiência ou
ineficiência delas.
Por fim, cabe a associação desse tema com o texto proposto de
Boaventura de Souza. Nesse momento de retrocesso, as classes
hegemônicas tendem a colocar em xeque mais esse direito social do
povo. Resta a nós, defensores do progresso social, em prol das
minorias e dos vulneráveis, lutarmos contra isso e nos
“reinventarmos” contra essa perspectiva hegemônica do Direito,
trazendo à tona novamente a antiga tensão entre regulação e
emancipação social.
Inspirados no conceito de Cosmopolitismo, talvez seja essa a saída,
inspirado no autor em questão, em vez de seguir o paradigma
modernista de tipo evolucionista, as lutas cosmopolitas – de que o
zapatismo serve de ilustração – seriam guiadas por um princípio
pragmático baseado num conhecimento que não vem da teoria mas sim
do senso comum: tornar o mundo um lugar cada vez menos cômodo para o
capital.
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