Cotas Raciais: a
inédita decisão do STF analisada à luz de conceituados sociólogos divergentes
A política de cotas nas universidades públicas, apesar de juridicamente
estar pacificada no seio estatal, conforme o acórdão do STF sobre a ADPF sobre cotas raciais na UnB, no
âmbito civil esta questão ainda parece pouco resolvida, objeto de polêmicas e
embates acerca não da sua constitucionalidade, mas, sim, sobre se é justo ou
não a cor da pele ser fator determinante para o reconhecimento de uma reparação
histórica ou de um incentivo, como defendem determinados setores progressistas
da sociedade, ou se é apenas um privilégio disfarçado concedido, de cunho
demagógico, que fere o princípio da isonomia e da meritocracia, como levantado
por outra parcela mais conservadora da sociedade.
A verdade é que esse tema é bastante delicado, pois está envolvida uma
série de valores culturais, antropológicos, econômicos, sociais, filosóficos
que são bastante divergentes, até mesmo conflitantes, de uma pluralidade de
indivíduos, mas que apenas de uma gama prevaleceu, passando a falsa ideia de
uma sociedade coesa e unida em torno dessa temática; além de que ambas as
posições possuem argumentos, projeções e provas bastante convincentes, que ora
se contradizem, ora se moldam ao plano factual da vida real.
Para o ilustre sociólogo Boaventura de Sousa Santos, a política de cotas
está intrinsecamente ligada à ideia de emancipação social, visto que as pessoas
de ascendência africana ou indígena foram explorados por um longo período
histórico, possuindo quase ou - sem exagero - nenhum direito, e mesmo após o
fim da escravidão negreira e da servidão indígena, ainda continuaram fadados à
miséria e à exclusão do contrato social, tendo relegado o acesso a direitos civis
básicos, encontrando uma rasa previsão jurídica, reduzida a uma igualdade
formal, mas não material. Isso se deve, segundo o próprio pensador a um fascismo social, que sob as suas
diversas variações, desequilibra as
relações sociais, tornando-as extremamente desiguais, que conduzem a formas de
exclusão severas, como ocorreu com os negros, que ficaram segregados em guetos
e comunidades, fomentando a exclusão social e o esquecimento dos
direitos que lhes são conferidos, - como
o da educação -, o chamado fascismo apertheid, tudo isso justificado por uma questão
econômica, pela qual o capital se prevalece sobre as questões humanas, o que o
autor denomina como fascismo financeiro. Portanto, Boaventura enxerga as cotas
como uma política de inclusão extremamente necessária e emancipatória,
promovendo a oportunidade de os negros se libertarem dos grilhões da pobreza,
da falta de estudos, e fazendo-os ocuparem lugares que são seus por direito e
previstos no contrato social, como as universidades públicas, mas que por causa
do fascismo social estavam sendo privados deles.
Já para o renomado economista e sociólogo
afro-americano Thomas Sowell, a política de cotas é ineficaz, porquanto não
soluciona o problema originário da exclusão do negro na universidade: a baixa
qualidade do ensino básico. Pois o ingresso na universidade pública é
dificultado pela péssima formação escolar do aluno negro, que é assolado pela
pobreza e pelo descaso estatal em fornecer um ensino de qualidade. Então, para
Sowell, o fator preponderante da exclusão não é a cor da pele ou o contexto
histórico do negro, e, sim, a condição de pobreza que não o permite ter uma boa
formação escolar, de modo que fornecendo ao estudante negro de baixa renda um
ensino básico de alta qualidade, o estudante afrodescente conseguirá ser
aprovado na universidade sem precisar de cota alguma, somente com seus próprios
méritos. Além de que, o ensino universitário
não será capaz de sanar 10 a 12 anos de ensino básico precário, contribuindo
para a evasão acadêmica, já que o aluno negro cotista, não por incapacidade,
como assevera o autor, mas sim por não ter suas bases escolares bem
sedimentadas, dificilmente consegue se adequar ao ensino superior, que requer
conhecimentos prévios. Outra crítica bastante contundente do pensador é a
estigmatização do estudante negro, já que uma parcela ignorante da sociedade vê
o discente com uma vantagem injusta e questiona erroneamente sua capacidade
intelectual, não levando em conta o seu mérito ao se formar, mesmo sendo o
primeiro da turma, porque acredita que sempre houve algum benefício, mesmo não
existindo após ingressar na faculdade; desse modo, acentua-se mais o
preconceito do que o erradica. Também, o autor acrescenta que a política de
cotas raciais, nos países que a adotaram, foi utilizada indevidamente por
charlatães que se apropriaram de uma ideia para se promoverem social e
politicamente, e pouco fazem para sua comunidade ao chegar no poder. Portanto,
para Thomas Sowell, a melhor política para fomentar o ingresso do aluno negro e
de baixa renda na universidade é o aprimoramento do ensino básico de qualidade,
intensificando-o nas áreas mais carentes, visto que, dessa maneira, ele conseguirá ser aprovado na universidade por
seu mérito próprio, sem ser estigmatizado e sem ser utilizado com massa de
manobra por políticos demagogos.
A partir das
considerações desses dois grandes estudiosos, pode-se concluir que a decisão do
STF foi bastante prudente, pois rendeu homenagem à questão histórica do
afrodescendente no Brasil e às implicações que lhe causaram a escravidão e a
negligência estatal após esse período lamentável, bem como ponderou que é uma
política necessariamente temporária, não porque o interesse estatal em
ampará-los tem prazo de validade, mas porque é necessário, concomitantemente,
aprimorar o ensino básico para que a juventude negra possa receber uma educação
de qualidade não só no ensino superior, como também no período escolar, visando
efetivar não só o a igualdade formal, mas também a igualdade material.
John. R. Angelim Novais 1º Direito - Noturno
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