"... a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste
instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém
a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido
para aqueles que nela tinham confiado para aqueles que dela esperavam o que da
Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a
que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica
judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os
pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o
outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens,
uma justiça para quem o justo seria o mais exato e rigoroso sinônimo do ético,
uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como
indispensável à vida é o alimento do corpo..."
(José
Saramago – Escritor Português)
Em
janeiro de 2012, 1600 famílias que ocupavam a região de Pinheirinhos no
município de São José dos Campos foram despejadas e removidas brutalmente do
local em que moravam há mais de sete anos. Nesse bairro, foi constituído além
de diversas moradias, igrejas, praças públicas, estabelecimentos comercias e
até uma associação de moradores. Elas foram desocupadas desse terreno a pedido
do empresário e especulador Naji Nahas, proprietário da massa falida Selecta
S.A, que acionou a justiça e pediu a reintegração de posse da propriedade.
Evidentemente,
os moradores que viviam nesse bairro não aceitaram facilmente sua expulsão e,
assim, entraram em conflito com as autoridades, o Estado e a Justiça
brasileira. Durante esse longo e doloroso processo, várias liminares foram
concedidas, o Direito foi constantemente aplicado de forma equivocada e leviana
e mais uma vez a população carente saiu prejudicada nessa situação.
A
Desocupação do Pinheirinhos é um caso perfeito para se aplicar as reflexões e
pensamentos marxistas e hegelianos. Marx afirmaria que o direito moderno é um
instrumento de dominação e manipulação da elite burguesa que é frequentemente
utilizado para propagar e defender as ideologias capitalistas e liberais. Além disso,
ele reconheceria que essa questão jurídica é fruto de uma luta de classes e de
um domínio econômico e político preponderante burguês. O Estado, nesse aspecto,
estaria favorecendo e contribuindo para manutenção da ordem burguesa e desprivilegiando
a população empobrecida.
Por
outra perspectiva, Hegel e seu idealismo, declarariam que o Estado
constitucional garante a liberdade e igualdade dos cidadãos e que ele se consagraria
como um poder benévolo e racional, ou seja, neutro e protetor de todas as
classes. O Direito para Hegel, nesse caso, representaria a plena racionalidade
humana e as leis aplicadas durante esse contexto é a expressão máxima dessa realidade
igualitária e libertária. O Estado formata a sociedade e é o único capaz de
promover a felicidade coletiva.
Nem
Marx e muito menos Hegel conseguem explicar e decifrar completamente essa
complexa e intricada questão da Desocupação do Pinheirinhos. Há um poderoso
embate entre direito à propriedade e direito à moradia, ambos previstos na
Constituição federal. Ponderar e chegar uma conclusão de qual direito é mais
importante e superior que o outro é uma tarefa árdua e complicada.
Entretanto,
sobre toda essa questão do Pinheirinhos deve-se considerar que ocorreram gravíssimas
violações aos Direitos Humanos. Vidas foram perdidas durante esse processo, e
toda a construção material e imaterial constituída pelos moradores foi
desmantelada e desmanchada pelas autoridades. A juíza Marcia Loureiro, o
desembargador Ivan Sartori, o Juiz Rodrigo Capez, o desembargador Cândido Além
e o juiz Luiz Beethoven provaram que o Direito pode ser profundamente parcial
em suas escolhas e que a justiça não é totalmente cega como a deusa grega
Athena.
Pelo
contrário, nesse mundo capitalista, burguês, segregado e elitista, ela mostra
cotidianamente, que nem sempre ela toma as melhores decisões.
Arthur
Resende
1º
ano Direito Noturno
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