A oposição
entre as concepções de Hegel e de Marx sobre o Direito pode ser analisada a
partir do caso Pinheirinho. Trata-se da reintegração de posse de uma área em
São José dos Campos ocupada por 1.660 famílias há anos; em 2012, a Justiça
decidiu a favor da proprietária do terreno – massa falida da SELECTA SA – e
retirou 5.500 pessoas que tinham o local como moradia. Desde o trâmite
processual até a decisão final, houve desrespeito aos estritos ritos
processuais e abusos por parte das autoridades na fatídica desocupação. A análise
dessa decisão a partir das concepções dos referidos autores exige compreensão
de questões como propriedade, posse, função social do bem, direitos sociais,
liberdade e o papel da Justiça na efetivação dos Direitos Humanos.
A ideia
de propriedade como direito natural do homem e de expressivo cunho
individualista transformou-se em direito de “quase propriedade”, exigindo-se o
exercício útil desse bem. O direito de propriedade permanece, mas sem a antiga feição
individualista.
Os
ocupantes lutam pela posse do terreno. E posse não significa ter o direito à
posse da área. Posse é o uso ou gozo da propriedade e não impede a proteção
possessória na Justiça em face de terceiros. Os moradores do Pinheirinho lutavam
pela permanência no local onde tinham estabelecido moradias e criado uma
comunidade organizada; não requeriam o direito de posse. Portanto, a
solicitação era legítima.
O
proprietário deve se sujeitar às disposições legais para a função social da
propriedade. O particular tem liberdade para organizar seus bens produtivos,
mas o bem sem uso o sujeita à perda da propriedade.
A
definição atual desses conceitos acompanhou a evolução do Direito. Para Hegel, o
Direito é o garantidor da liberdade individual em face dos demais membros do
grupo e do próprio Estado, instituidor da sociedade civil. Nessa concepção, o
Direito abandona a feição individualista e promove o bem geral. As leis, fruto
da racionalidade humana, são boas, protegem o cidadão e garantem isonomia. A
promoção que Hegel faz do Direito ampara as ideias de liberdade e de racionalidade
do Capitalismo. O Direito, portanto, é um instrumento de legitimidade para um
ambiente seguro e em ordem estabelecida.
Ideia
contrária quanto ao papel do Direito tem Marx: a sociedade civil compõe a base
do Estado; o Direito faz a mediação entre sociedade e o Estado político. Nessa
concepção, uma minoria elabora o ordenamento e dela faz uso para legitimar sua
ação em benefício próprio. As leis servem ao desenvolvimento econômico e à
acumulação de capital, jamais ao bem geral.
No caso
Pinheirinho, a concepção de Hegel ensejaria tanto pela desocupação quanto pela permanência
dos moradores, se não fosse o fato de existir uma massa falida como
proprietária do terreno. Tal impedimento se faz pela garantia que o terreno
representa aos credores da massa falida, a SELECTA SA, decretada anteriormente
por juízo competente. O ex-proprietário Naji Nahas fraudou o balanço de várias
de suas empresas e manipulou o mercado acionário da antiga Bolsa de Valores do
Rio de Janeiro. Suas falcatruas levaram outras empresas e fundos de pensão à insolvência;
além dos débitos tributários e trabalhistas do conglomerado de empresas de
Nahas. Outras pessoas, empresas e governos ansiavam pela execução dos bens da
massa falida para reaver parte de suas perdas. Sem massa falida, ainda na
concepção hegeliana, a permanência desses moradores seria possível, pois esses
já tinham dado função social ao terreno sem o devido uso exigido pelo
ordenamento anteriormente explicado.
Na
concepção de Marx, o caso teria apenas um desfecho: permanência dos moradores
no local. Para isso, a juíza do caso afastaria o Direito tal como o temos nos
códigos, pois o Direito, para Marx, serve aos interesses dos capitalistas. A
juíza promoveria a dignidade humana dos moradores, à margem dos direitos
sociais, em detrimento de interesses particulares. Os Direitos Humanos ocupariam
o lugar da legislação possessória do Direito em Hegel.
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