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domingo, 21 de abril de 2019

Lei heteronormativa da (falsa) ordem

Auguste Comte, no seu Curso de Filosofia Positiva (1830), desenvolveu o positivismo, corrente filosófica que pregava a utilização de critérios das ciências biológicas e exatas — isto é, o uso do método científico — para o estudo da sociedade, esta vista por ele como um “organismo”. A corrente comtista exaltava a ciência como a única via adequada para a resolução de conflitos humanos e sociais, além de que, enquanto pautada em princípios científicos, buscava por leis que regessem o funcionamento da sociedade com o intuito de compreendê-la e, a partir disso, reorganizá-la; “só o conhecimento das leis dos fenômenos, cujo resultado constante é o de fazer com que possamos prevê-los, evidentemente pode nos levar, na vida ativa, a modificá-los em nosso benefício” (Comte, 1988*), ou seja, sob a perspectiva positivista, as leis são de vital importância para que o ser discirna como mais bem se conduzir em sociedade — “ciência, logo previsão; previsão, logo ação” (Comte, 1988) — e, desta forma, mantê-la em ordem para rumar ao progresso — “a ordem como base; o progresso como meta” (Comte, 1988).

Estes ideais positivistas se difundiram até, posteriormente, atingirem as terras brasileiras com vigor suficiente para que o Brasil seja considerado a segunda pátria do positivismo, tendo este começado a surgir no país a partir de 1850 para, em 1889, alcançar sua preponderância máxima durante a Proclamação da República. A influência deste movimento, entretanto, perseverou durante as rebeliões tenentistas e durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, nas décadas de 20 e 30. Verdade seja dita, mesmo na contemporaneidade o positivismo segue a influenciar, inspirando governos como o de Michel Temer e pensadores como Olavo de Carvalho.

Tomando como exemplo este último, Olavo de Carvalho, em seu livro O Imbecil Coletivo (1996), no capítulo “Mentiras gays”, descreve a heterossexualidade não como uma opção livre, mas como uma necessidade, pois a ab-rogação dessa traria a extinção da humanidade e, a isso, acrescenta que “homossexualismo não é uma necessidade de maneira alguma, mas apenas um desejo.” (Carvalho, 1999**). Neste sentido, é plausível afirmar que a heterossexualidade, para Carvalho, é equiparável à uma lei positivista, uma vez que essa representa, no pensamento dele, a ordem que mantém a sociedade viva e em progresso.

Contudo, é imprescindível ressaltar que Carvalho, ultraconservador e preconceituoso, vale-se de argumentos “científicos” falaciosos, como o de que a homossexualidade é uma deficiente, para justificar seu “pensamento filosófico” — ou melhor dizendo, justificar seu próprio preconceito — e incentivar a intolerância contra homossexuais. Em razão disso, sua obra diverge do positivismo e configura, ao mesmo tempo, um desserviço teórico, pois, sendo seus argumentos inverdades, eles são consequentemente ilógicos, contrariando a premissa racionalista do positivismo e depreciando a verdade científica.

* COMTE, A. Curso de Filosofia Positiva. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
** CARVALHO, O. Imbecil Coletivo. São Paulo: É Realizações, 1999.

Thayná R. de Miranda - Matutino

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