No senso comum de abstração, o avanço é designado ao entendimento de papel determinante de melhoramento. A assimilação deste termo estipula, ao mesmo tempo que define, a ordem natural e confirmatória de um processo incorporado, o qual engendra a história social e a individuação. A construção, todavia, deste papel determinante identifica um pensamento embasado em uma premissa a qual vezes é transmitida como absoluta, mas configura-se relativamente nas ciências e na estética. Historicamente os fundamentos desses dois elementos contribuíram fervorosamente nos principais debates filosóficos e sociológicos do século XIX, após terem sido abalados no século anterior a este, e concretizaram-se em movimentos artísticos e políticos de tempos conseguintes.
O projeto de reconstituir a fundamentação estética fora posto em pauta desde o final do século XVIII, como afirma Schiller em uma carta ao príncipe de Augustenburg, referindo-se à crítica kantiana: ''A revolução no mundo filosófico abalou o fundamento sobre o qual a estética estava assentada, e seu sistema anterior, se é que se pode dar-lhe esse nome, foi deixado em ruínas" [1]. A parte de um relativo distanciamento temporal entre as vanguardas, — responsáveis pela concretização de novos feitios estéticos no início do século XX — é na liberdade idealista romântica a qual se inicia um afastamento do formalismo e tornam-se válidas expressões artísticas mais abstratas, exemplificado pelo afastamento estético de artistas posteriores, porém conterrâneos e contemporâneos, como William-Adolphe Bouguereau e Berthe Morisot. Observando duas obras é possível perceber, a princípio na composição academicista de Bouguereau, pinceladas minuciosas e quase dissimuladas, juntamente ao sombreamento gradativo dos contornos, utilizado como forma de dimensionar a paisagem; contrariamente, a pintura de Berthe Morisot é esboçada com um sombreamento quase nulo e apresenta características menos inertes em relação à obra do primeiro pintor citado, trata-se portanto de uma experiência impressiva.
Significativamente, era explícito esse fervor durante o século XIX e no início do século XX; o ideal de progresso perdurava, concomitantemente, a sociedade florescia de modo crescente diante da modernidade. De modo paralelo, aplicando-se ao campo filosófico, as abstrações metafísicas deveriam dar espaço ao cientificismo e, desta forma, haveria uma reorganização próspera do conhecimento já estipulado. Em meio a estas manifestações de pensamentos tão variados e, de certa forma, progressistas, surgem as propostas utilitaristas, historicistas e positivistas. A crença de que a consciência deveria ater-se aos problemas concretos da sociedade levou ao destaque da última dessas correntes, criada pro Auguste Comte.
O positivismo defende a existência humana como restrita consciência de conhecimento científico. O alcance deste estado deveria, sem embargo, percorrer outros dois estágios primitivos: o teológico e o metafísico. O primeiro destes refere-se à explicação de fenômenos naturais apoiando-se em causas imaginárias e sobrenaturais sendo não efetivamente científicas tais observações — é importante acentuar que estas justificativas teológicas contribuíram para para a saída da debilidade própria da ausência do pensamento científico. O estado metafísico busca explicar os fenômenos por meio de verdadeiras ''entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo'' [3], isto é, ideias propriamente limitadas pelos seus conceitos quando encontram-se em consciência, todavia, não eram estas organicamente relacionadas ao mundo físico; tal ação ocorria apenas de modo ideal. O último destes estados, o estado positivo ou científico, e portanto, o mais avançado, reconhece o intransponível no conhecimento humano, e por isso atém-se exclusivamente aos fenômenos observáveis e seus resultados.
Fundada em 1909, a vanguarda futurista legitimava em seu ímpeto uma arte incrustada no todo veloz e moderno, dispondo-se contra a conformidade, a qual, de acordo com os integrantes do movimento, pautava-se como uma base passadista. Em meio ao contexto de pouco menos que meio século transpassado, Filippo Tommaso Marinetti publica, no mesmo jornal o qual Baudelaire expusera seu ensaio sobre a modernidade, o Manifesto Futurista, obra onde é defende a integração da arte com a vida, esta então caracterizada pelo ardor, progresso, esplendor, agressividade e entusiasmo. Cita então o autor:
''Nós estamos no último promontório dos séculos!... Porque nós deveríamos olhar para trás, quando o que queremos é atravessar as portas misteriosas do Impossível? Tempo e Espaço morreram ontem. Nós já vivemos no absoluto, porque nós criamos a velocidade, eterna, omnipresente.'' [4]
Ao pautar a perspectiva da arte como vivência humana de avanço, o Futurismo tangencia aspectos da renovação e do alcance do absoluto encontrados no positivismo. O objeto de ambos movimentos é a materialidade e seu mecanismo, a superação. Igualmente se dá a superação do estado metafísico na pintura futurista, exaltada como motivo a manifesto: ''Rebelar-se contra a tirania das palavras: harmonia e bom gosto, expressões demasiado elásticas, com as quais se poderia facilmente demolir a obra de Rembrandt e a de Goya.'' [5]. O processo a estabelecer uma materialidade vital e científica ao compreendimento transformador humano é consequentemente um aspecto imprescindível na arte futurista.
''Com o circuito elétrico, que possibilita a ionização ou simultaneidade da informação, termina a era da expansão (explosão) das sociedades e começa a era da ‘implosão’ da informação: a informação complexa, antiverbal, se manifesta em mosaico, descontínua e simultaneamente – e a televisão é o seu profeta'' [6]
A arte contemporânea, de tal maneira, ainda retoma tais vertentes principalmente na ação, na busca por uma ''sensação dinâmica eternizada''. Os aplausos que eram considerados por Marinetti como ''excessivamente bem digeridos'', dariam um lugar amistoso às vaias, que indicavam a vivacidade da plateia. O alcance do ruído moderno e sua progressividade crescem na medida em que são enterrados os ''passadismos'', embatendo-se em limites situados apenas entre materialidade social e seus respectivos avanços.
Citações utilizadas:
[1] SCHILLER, Friedrich. A Educação Estética do Homem. São Paulo: Iluminuras, 1995 (Biblioteca Pólen)
[2] BAUDELAIRE, Charles. O Pintor da Vida Moderna. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7789/mod_resource/content/1/BAUDELAIRE_O%20pintor%20da%20vida%20moderna.pdf
[3] COMTE, Augusto. “Primeira lição”. In: Curso de Filosofia Positiva. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Os Pensadores).
[4] MARINETTI, Fillipo Tommaso. Manifesto Futurista. Disponível em: http://www.espiral.fau.usp.br/arquivos-artecultura-20/1909-Marinetti-manifestofuturista.pdf
[5] BOCCIONI, CARRÀ, RUSSOLO, BALLA, SEVERINI. Manifesto dos pintores futuristas. Trecho retirado de: http://www.teatrosemcortinas.ia.unesp.br/Home/HistoriadoTeatroMundial33/apontamentos-sobre-futurismo.pdf
[6] PIGNATARI, Décio. Introdução à Teoria da Informação. Disponível em: http://d-f.scribdassets.com/docs/2ra0ctq3r411uk9u.pdf
Imagens utilizadas:
Berthe Morisot, A ama-de-leite, 1879. Disponível em: https://uploads7.wikiart.org/images/berthe-morisot/the-wet-nurse-angele-feeding-julie-manet.jpg
William-Adolphe Bouguereau, O repouso, 1879. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e5/William-Adolphe_Bouguereau_%281825-1905%29_-_Rest_%281879%29.jpg
Giacomo Balla, Velocidade Abstrata - O Carro Passou, 1913. Disponível em: https://s2.glbimg.com/fuvYU5guHbfl6x4g12VTZYFAVT8=/500x382/top/i.glbimg.com/og/ig/infoglobo1/f/original/2014/09/08/1292418-velocidade.jpg
Marco Antonio Raimondi, Direito Noturno
Turma XXXV
Marco Antonio Raimondi, Direito Noturno
Turma XXXV
Finalmente encontrei uma raridade no cursos da UNESP um artigo,com citações,ilustrações,datas e nomes,buscando dar um visão do fato histórico( As Artes),através do passar dos anos,apresentando escolas de pensamento e de artes,dando espaço a interpretação do leitor quando este fizer uma analise dos fatos citados no artigo,Muito bom esse artigo,sem fazer juízo de valores ou desmerecer e depreciar as idéias que são apresentadas no texto. Parabéns.
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