A relação entre a teoria e os fatos, no Brasil, sempre admitiu contornos bastante esfumaçados, a tal ponto de tal relação se revelar inexistente em uma ampla gama de aspectos, especialmente no que se refere à Lei. Nesse sentido, há muito a ineficácia da Lei brasileira tem sido denunciada, sendo que, ao longo de quase 200 anos de independência, pouco evoluiu-se nos termos da correspondência entre o que é e o que deve ser. Outrossim, de um lado, o problema endêmico do irrealismo ilusório desponta como fator marcante na figura do legislador, o que implica na redação de legislações que são fruto da idealização. Por outro lado, emerge a solução durkeimniana, que age como antídoto quanto à elaboração de Leis inadequadas aos fatos sociais.
Sergio Cavalieri Filho, desembargador do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, em seu livro Programa de Sociologia Jurídica, menciona uma frase do historiador Capistrano de Abreu, que corrobora o compromisso firmado entre ilusão e legislação: "Temos uma legislação quase perfeita. Só nos falta uma lei: a que mande cumprir todas as outras."(CAVALIERI, 2015,p.121) A frase do historiador brasileiro frisada por Cavalieri apresenta via crítica ao Direito Brasileiro, crítica essa que não denota desatualização histórico-cronológica: Em primeiro lugar, as leis no páis proliferam-se em escala exponencial e são oriundas de diversas frentes. Em Direito Civil: Teoria Geral, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias fazem questão de destacar, em números, a incoerência entre a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a realidade, já que a Lei " aduz que ninguém pode alegar ignorância para excusar-se do cumprimento da lei." Em seguida, questionam: "Será isso viável em um Estado que possui 1 milhão e 500 mil atos normativos em vigor; 120 mil decretos e 15 a 17 mil leis( entre ordinárias, complementares e delegadas)?" (FARIAS;ROSENVALD, 2009,p.26). Nota-se, em primeiro lugar, que a solução encontrada pelo legislador para transformação do ambiente socio-juridico brasileiro foi considerar que, no Brasil, já havia uma superestrutura receptiva a tão avançadas e numerosas leis. No entanto, a dificuldade do Estado em garantir direitos básicos, como o direito à vida, a liberdade de expressão e locomoção em áreas governadas pelo crime organizado aponta para a falência do modelo jurídico que reputa uma lei como eficiente a partir de sua promulgação.
Nessa fotografia em que se destaca a permanência de uma realidade legal afastada da realidade, põe-se em questão a necessária transformação no olhar social do legislador, de tal maneira a reconhecer as verdadeiras demandas, muitas vezes latentes na vida social. O afastamento do irrealismo ilusório, nesse ínterim, se apresenta condicionado a um estudo cujo respaldo é o fato social, sendo esse a fonte de maior peso para aferir a real eficácia da lei, garantia de sua execução. Essa visão, de absoluta atenção aos fatos sociais emerge através do sociólogo francês, Émile Durkheim. Segundo ele, é vital, para o devido olhar socio-jurídico, "investigar como as regras jurídicas se constituíram real e efetivamente e analisar o modo como as normas jurídicas funcionam na sociedade".(Leçons de Sociologie. Paris, 1950). Por meio da metodologia durkeimniana, que se baseia no exame dos fatos sociais que sucitam o surgimento das leis, verifica-se o real compromisso sociológico do legislador: a atenção a eficiencia da norma, pela ótica do seu ajuste aos fatos por que foi elaborada.
Por fim, o "irrealismo ilusório" denunciado por Sergio Cavalieri, mais do que apontar um fato social que depende da transformação normativa em prol do ajustamento da conduta do legislador, serve de elo entre Capistrano de Abreu e Émile Durkheim. Se, para aquele, no Brasil, há a dificuldade em criar um ordenamento que seja simultaneamente prático e eficiente, para este, a dificuldade não é estranha. Basta ater-se à dimensão dos fatos sociais e aos planos da norma e da satisfação da necessidade pela qual foi criada.
João Pedro Santos Frari, Turma XXXV- Diurno.
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
Estou orgulhoso de Você.
ResponderExcluirSiga em frente e sempre na confiança que o comprometimento e garra tem demonstrado.
Abraços e muito bom teu trabalho.