Eu bebia o meu café quente, um ritual, o qual
era fundamental que fosse realizado todos os dias, sempre no mesmo horário.
Contudo, por algum motivo todos os relógios da cidade foram adiantados em
sessenta minutos e eu não pude deixar de chegar atrasado no meu destino. Admito,
estava incrédulo (como sempre fico essa época), porque mudaríamos o tempo se
ele continua sendo o mesmo, afinal, eu fui dormir no mesmo horário como faço
todos os dias. O mesmo tempo de ontem foi o tempo que utilizei hoje, mas hoje
eu não poderei ver as belas dançarinas do “Teatro do Barro” passeando em fila
para sua apresentação na praça, já que alguém decidiu que é útil mudar as horas
e elas já estão dançando nesse instante.
Meu café esfriara, o devaneio de meus pensamentos
arruinou a única coisa que ainda era certa: esvaziar aquela xícara de café.
Stella deve ter percebido que a xícara estava cheia e aproximou-se de mim – Sr.
Dagoberto, há algum problema com o modo que o café foi preparado hoje? Posso
imediatamente trazer outro para o senhor – Eu respondi com rispidez, sem pensar
muito – Stella, minha jovem, diga-me uma coisa, porque todos os anos esses
imbecis precisam fingir que mudaram o tempo sendo que ele permanece o mesmo? –
Assim que terminei a frase um jovem engomadinho, com o cabelo lambido para o
lado direito interrompeu a resposta da jovem garçonete – Ve-veja be-be-bem,
coroa! O horário de verão é fruto de muito tempo de estudo e possui o esforço
de muitos estudiosos, eles observaram que em determinada época do ano os dias
tornam-se mais longos, e registrando o fenômeno ano após ano, puderam de fato
descobrir que é um fenômeno natural periódico, e que nós seres humanos,
poderíamos nos utilizar dessa previsibilidade natural para com uma simples
convenção de: adiantar os relógios em uma hora, pudéssemos economizar energias,
em empresas, espaços públicos e prédios comerciais por exemplo – Eu ouvi o que
ele tinha a dizer até o final e respondi – Sabe meu jovem, os seus pontos são
ótimos, mas eu tenho que discordar, não vejo a eficiência que você diz existir,
me parece uma ação para reforçar o politicamente correto – O garoto parece que
assustou-se com a expressão, levantou o dedo e reforçou novamente a sua fé na
ciência e como o seu método consegue estar acima de todas as coisas, nesse
momento Stella interrompeu, ela que é uma jovem esforçada nos estudos e na vida,
trabalha durante o dia e estuda em período noturno, muito inteligente e hábil
com as palavras – Na verdade, os dois estão certos – ela falou com uma voz suave
apoiando duas xícaras vazias de uma mesa vizinha na bandeja – o método
científico é maravilhoso e nos permitiu invenções em larga escala, com janelas
de tempo cada vez menores, contudo, a ciência tornou-se enrijecida, o Sr.
Dagoberto tem razão em questionar a convenção do horário, e você concorda com
isso já que o fundamento da ciência é a dúvida – elas alternava o olhar entre o
mim e o garoto do cabelo lambido – vocês podem discutir aqui o resto do dia, um
defendendo a ciência como uma “entidade”, contrário ao seu objetivo que é ser
instrumento para o verdadeiro saber humano e da mesma forma, o outro vai negar
qualquer evidência apresentada, mas existe um fundo de razão nisso, afinal o
horário de verão não vem se mostrando eficiente na economia de energia, na
verdade vem se mostrando quase que insignificante nos últimos tempos. Apresento-lhes
o dilema moderno da humanidade, tenham uma boa tarde senhores – despediu-se e
saiu levando as xícaras vazia –.
E assim o jovem e o velho passamos mais de duas
horas, sentados, as vezes se encaravam, as vezes discutiam, pensando onde estaria
a raiz desse dilema, e naquela tarde os dois fizeram ciência, quase como ela
nascera (afastando-se dos sentidos e progredindo aos poucos em busca do prazer
do entendimento), - concluímos Rubens, aí está a causa do problema, a ciência
não é feita buscando entender ou dialogar com o indivíduo e com o mundo, hoje,
ela representa a vontade do mercado financeiro e não mais a busca pelo
conhecimento, os saberes populares são insignificantes, já que pouco
acrescentam para gerar produtos de valor ao mercado e o meio ambiente é uma
preocupação somente se não perpassa os lucros – Rubens arregalou os olhos,
depois de tantas xícaras de café era de se esperar, ele continuou minha frase –
e é por esse motivo que a ciência hoje e tão venerada quanto desacreditada.
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