No plano cartesiano, há pontos específicos e únicos indicados por coordenadas. A partir destas, a localização de um elemento torna-se clara e metódica. Os pontos são distintos e independentes e são analisados como tal, de forma isolada. Isso é comparável ao método científico, um meio de averiguação da realidade que a divide para melhor compreendê-la, que baseia-se em experiências e em eventos concretos, na racionalidade imparcial e apurada, no afastamento de superstições ou de convicções as quais não podem ser provadas por evidências. O princípio de tal método é o alcance de uma verdade insuperável e definitiva, a fim de proporcionar melhorias e soluções à humanidade e domar a natureza. Essas constatações partem de ideias de René Descartes, escritor de Discurso do Método, que afirmou “Aprendi a não acreditar com demasiada convicção em nada do que me havia sido inculcado só pelo exemplo e pelo hábito” e “As coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras”.
O método foi imprescindível, indispensável para o desenvolvimento da Ciência posterior ao século XVII. Ao rejeitar relações e impressões não calcadas na observação meticulosa e na interpretação sóbria, a Ciência conseguiu se tornar muito mais precisa e profunda, com um espaço maior para a sua progressão. O uso de novos procedimentos fez com que houvesse uma ruptura com o momento anterior do conhecimento humano, em que pré-concepções, abstrações e a falta de provas foram obstáculos para um entendimento objetivo e comprovado. Quando Francis Bacon, escritor de Novum Organum, contempla as bases da Ciência que havia em sua época, ele admite: "É preciso que se faça uma restauração da empresa a partir do âmago de suas fundações”. Então, os avanços de pesquisas e de estudos, a partir da Idade Moderna, foram largamente impulsionados por uma transformação da forma de investigação.
No entanto, alguns séculos depois de Bacon e Descartes publicarem suas obras, críticas e ressalvas podem ser feitas ao método descrito pelos pensadores, a partir de um contexto distinto, o atual. No filme O Ponto de Mutação de Bernt Capra, há um diálogo entre um político, um poeta e uma física em uma ilha medieval. Em tal conversa, Sonia Hoffman, a física, expõe o pensamento ecológico, o qual contraria a visão cartesiana. Esse constata que há interconexões entre todos os elementos da realidade, de forma que os problemas da atualidade são multifacetados e complexos, em razão do envolvimento de um grande conjunto de causas e de consequências, de motivos e de agentes. O entendimento citado diverge do método de Bacon e Descartes, pois considera que a percepção holística é fundamental para a progressão humana, ao invés de conceber a divisão em etapas.
Ao considerar a devastação da Floresta Amazônica, entende-se que as razões e as consequências desse fenômeno são muitas e, com alguma frequência, intricadas uma à outra. A priorização do lucro econômico em detrimento à construção de uma sociedade sustentável e igualitária, a revogação de legislação protetiva à vegetação por parte do Congresso Nacional, o enfraquecimento de órgãos fiscalizatórios como o IBAMA e o ICMBio, o suporte de parte da população a líderes que não encaram a sustentabilidade com seriedade, a atividade criminal que desmata a Amazônia para obter produtos estão entrelaçados na produção do problema em questão. O que, por sua vez, resulta na diminuição da umidade em demais regiões brasileiras, no prejuízo às comunidades tradicionais da Amazônia, na emissão de GEEs e na desestabilização do clima do país. Assim, para lidar com um cenário como o apresentado, é insuficiente observar pontualmente e propor soluções fragmentadas. Mas, deve-se agir com uma percepção integrativa, a qual leve em conta todos os elementos que proporcionam a devastação e a relação entre eles. Isso, contudo, não indica que as proposições de Bacon ou Descartes sejam inválidas, apenas, como é dito em O Ponto de Mutação, que possuem as suas limitações.
Alexandra Valle Goi - Direito Matutino - 1º Semestre
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