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segunda-feira, 4 de abril de 2022

O homem como prisioneiro das suas próprias convicções

 Descartes e Bacon, apesar de possuírem algumas opiniões e ideias contrárias, mantinham uma ideia central em comum: independente do método utilizado, a ciência deve ser orientada pela razão, não deve ser baseada em senso comum, e deve ser livre de antecipações, sentimentos e pré-noções. Entretanto, mesmo quatro séculos depois, ainda não alcançamos a ciência alvejada, ou melhor, a ciência muitas das vezes é substituída por opiniões sem fundamento ou simplesmente pelo o que é mais conveniente de ser aceito por cada um, e pior de tudo, estamos em uma realidade em que as pessoas acham que detém o conhecimento verdadeiro sobre, conhecem a verdade inquestionável e não estão abertas ao diálogo.  

Descartes, logo na primeira parte de “Discurso do método”, afirma que os homens não desejam ter mais bom senso do que já tem, o mesmo ocorre atualmente com o conhecimento, é cada vez mais frequente observar a população se negar a simplesmente ouvir ideias opostas, seja por intolerância ou pelo simples fato de ter certeza absoluta da coerência de seus posicionamentos, e essa certeza indubitável dificilmente existe. Tanto pelo método cartesiano ou baconiano, uma das ferramentas é a vida, tudo pode e deve ser questionado, além de que diálogos com ideias opostas são mais do que a oportunidade de mudar o ponto de vista do outro para favorável ao seu, são oportunidades de obter mais conhecimento, rever seus pontos e argumentos e as vezes até de reforçar aquilo que é acreditado. Se você nem ao menos sabe o que o outro pensa ou acredita, como pode ter certeza de que ele está errado? Claro que em tudo há exceções, e eu, particularmente, não acredito e nem defendo que ideias que oprimem e ferem os direitos humanos e os direitos fundamentais devam ser postas em debate. 

Por outro lado, além dos aspectos trabalhados acima, acho de extrema importância trabalhar outra realidade também muito preocupante, cada vez mais me deparo com o corpo social escolhendo fazer parte de um determinado grupo, associação, partido, vertente... com um determinado conjunto de ideologias e a partir dai, passam a apenas pensar dentro da caixa. Irei explicar melhor, peguemos a política como exemplo, a população normalmente se divide em esquerda e direita (e suas variáveis), não todos, mas a grande parte, passa a enxergar o espectro político de forma semelhante ao método mecanicista de Descartes, como se o espectro fosse uma máquina em que o que é defendido/proposto representasse as peças e não há possibilidade de retirar nenhuma das peças, muito menos trocar por outra de uma máquina diferente, a máquina só funciona com todo o conjunto. O que quero explicar com a metáfora é que as pessoas se fecham dentro do espectro, fecham os olhos para novas possibilidades e para o debate, acham absurdo reconhecer que você pode escolher e acreditar em um lado, mas achar determinada ideia do lado oposto coerente, por fim, o mais preocupante, aceitar toda e qualquer ideia simplesmente por ter vindo de líderes de um respectivo lado político. Exemplo disso é a população que se identificam como de Direita apoiando manifestações nazistas e as de Esquerda apoiando as atrocidades de Stalin. 

Ademais, mal consigo imaginar o profundo desgosto de Descartes e Bacon se pudessem saber que mesmo após tanto tempo passado, além de uma grande parcela da humanidade não questionar suas próprias “verdades”, se deparariam com uma sociedade com conceitos muito deturpados de ciência uma vez que o senso comum ganha cada vez mais força e para tomar algo como ciência não há mais método racional, nem mesmo é necessário a experiência como propunha Bacon ou vencer as próprias convicções como orientava Descartes, agora isso foi invertido, as próprias convicções que determinam o que é ciência, as pessoas passaram a adotar como ciência aquilo que as agrada, seja por suas antecipações religiosas, morais ou políticas. 

Por fim, concluo que o homem se encontra acorrentado pelas suas próprias convicções, antecipações e certezas indubitáveis, de forma que não consegue se libertar para novos horizontes, ideias e visões. Além de só aceitar como conhecimento verdadeiro aquilo que se assemelha e não o faz romper com suas correntes.


Anny Barbosa, 1º semestre de Direito noturno.

 

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