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segunda-feira, 4 de abril de 2022

 Legalização do aborto: o Brasil precisa parar de se orientar por supertições e antecipações da mente


“Se o aborto for legalizado todas as mulheres abortarão”; “aborto é assassinato de bebês”; “mulheres que decidem abortar vão para o inferno”. Essas são algumas das frases ditas por brasileiros guiados por superstições e antecipações da mente, conceitos citados por René Descartes e Francis Bacon, respectivamente. 


Parte majoritária da população brasileira pertence a alguma religião e, por isso, debate a legalização do aborto sob as lentes das próprias crenças e supertições, ignorando dados científicos sobre esse assunto da saúde pública brasileira. Descartes, ao argumentar sobre a esterilidade da filosofia e da erudição tradicional, diz: “a respeito das outras ciências, por tomarem seus princípios da filosofia, acreditava que nada de sólido se podia construir sobre alicerces tão pouco firmes.” Então, de forma análoga e de acordo com a conjuntura brasileira sobre o assunto em questão, pode-se dizer: ao tomarem seus princípios da religião, nada de sólido se podia construir sobre alicerces tão pouco firmes. Porém, esses alicerces precisam se tornar firmes com urgência, já que construídos sobre os pilares do Método Científico, conceito também desenvolvido por Descartes, entende-se que a vida de milhões de brasileiras depende diretamente disso. Através da razão e de uma simples equação matemática entende-se o número de mulheres atendidas em todo o país pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em razão de abortos malsucedidos (provocados ou espontâneos) foi 79 vezes maior que o de interrupções previstas pela lei, de acordo com dados do DataSUS no primeiro semestre do ano de 2020. 


A legalização do aborto é um assunto que gera animosidades em muitos brasileiros, visto que mesmo que indiretamente coloca ideologias, crenças e verdades pré-estabelecidas em xeque. Assim, para se seguir os princípios básicos da razão científica de René Descartes, é necessário colocar essas animosidades em segundo plano, já que dificultam partes desses, tais como: 1- não aceitar algo como verdadeiro que não se conhecesse claramente como tal (aceita-se o imperativo da religião como verdade absoluta mesmo sem conhecer muitos dados científicos sobre a temática); 2- repartir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quanto fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las (prevalece o olhar superficial e de poucas parcelas, geralmente as da religião e senso comum); 3- conduzir por ordem os pensamentos, iniciando dos objetos mais simples e complexos até os mais complexos (é um assunto multifacetado e complexo, por isso muitos deixam-se levar por suas próprias verdades e não procuram entender aos poucos sobre o assunto); 4- efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais com a certeza de nada omitir (por ser um assunto de fato complexo na nossa sociedade, muitas vezes deixa-se entende-lo da forma mais metódica e completa). 


Outro filósofo fundamental para inserir a discussão da legalização do aborto no Brasil sob pilares mais firmes e afastados do senso comum é Francis Bacon. 

Em “Novo Instrumento”, o autor discute sobre a antecipação da mente, o que chamamos no contexto atual de “senso comum”. Ele afirma: “consiste no estabelecer os graus de certeza, determinar o alcance exato dos sentidos e rejeitar, na maior parte dos casos, o labor da mente”. Dessa forma, para obter-se uma abordagem sólida desse assunto da saúde pública brasileira é necessário apartar-se das antecipações da mente, ou seja, entender que o debate sobre  descriminalização do aborto não se restringe a mero exercício da mente e da retórica, geralmente guiados por concepções de mundo já estabelecidas através da família, ideologias e crenças, mas sim à aplicação da ciência por meio de certezas, como pesquisas sobre o assunto e experiências de outros países que já passaram pelo processo. 

Como já dito anteriormente, o tema em questão é calcado sob muitas animosidades, que inclusive podem ser expressas pela concepção de “ídolos” de Bacon: falsas percepções de mundo. Primeiramente, tem-se o chamado “ídolos da tribo”, ou seja, percepções que se vinculam às distorções provocadas pela mente humana, como a interferência de paixões religiosas no assunto, por exemplo expressas em frases “quem abortar vai para o inferno”. Tem-se também os “ídolos da caverna”, que se vinculam com as relações estabelecidas pelo homem com o mundo a sua volta, que pode ser exemplificado por indivíduos que têm sua opinião baseada em ensinamentos familiares a respeito do assunto. Outra concepção é a de “ídolos do foro”, ou seja, referem-se ao indivíduo e a influência de suas associações: por senso comum da comunidade e das influências que determinada pessoa está inserida, como por exemplo comunidades conservadoras, pessoas podem tender-se a limitar o conhecimento sobre esse aspecto da saúde pública brasileira de acordo com as antecipações da mente do grupo. Exemplificando: costuma-se dizer em grupos conservadores que seria um absurdo o Estado gastar dinheiro com “mulheres abortistas” e, uma pessoa que está inserida nesse meio pode reproduzir essa frase sem saber que na verdade o sistema de saúde brasileiro gasta mais com procedimentos pós abortos incompletos (R$ 14,29 milhões) do que com abortos legais (R$ 454 mil), segundo dados do G1. 


Assim, percebe-se que inserir a temática “legalização do aborto” na sociedade brasileira traz a tona muitas animosidades, muitas vezes ligadas às superstições e antecipações da mente. Para se realizar uma discussão verdadeiramente sólida sobre esse aspecto da saúde pública de milhões de brasileiras é necessário levar em consideração ensinamentos de René Descartes e Francis Bacon, tais como já mencionados no texto. 


Bárbara Canavês Domingos. Primeiro ano direito noturno. 


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