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segunda-feira, 9 de abril de 2018

Uma crítica a Durkheim

    A evolução filosófica positivista – em questão, a escola francesa – alcançou, em Durkheim, seu legítimo herdeiro. Ainda que diferenciando e revisitando termos e questionamentos propostos por Comte, o funcionalista aborda semelhantemente o status quo social: sua interpretação biológica da sociedade entende que esta, integralizada e interdependente em suas células, deve permanecer constantemente ordenada e formalizada na medida em que se mostrava; seu desenvolvimento é, pois, interno ao órgão. A prerrogativa funcional, em que cada indivíduo cumpre seu posicionamento, pressupõe e necessita que estes não devem variar ou cambiar seus papéis e impõe uma rígida concepção relacional – ao molde comtiano, visto que para este os estamentos sociais eram invariáveis e não se mesclavam. Está evidente o legado e a forma comtiano de se buscar a ordem social.

    É também ao compreender o indivíduo apenas por este aspecto celular que Durkheim comete seu grande erro: interpreta analogamente a sociedade enquanto um órgão, ou mais simplificadamente, um ser vivente; porém, quanto aos homens, a análise desconsidera os valores e as influências psicológicas e biológicas. Émile Durkheim metodologicamente emprega o termo social como gregário e não compreende as implicações biopsicológicas implícitas ao indivíduo e importantes à análise do complexo societário, ou “pessoal”. Entender o homem como social é, antes de uma leitura formal e analítica, uma percepção da dialética existente em sua integralidade biopsicossocial; logo, desintegra-lo deste modo representa um corte ontológico que incapacita uma real averiguação sociológica, visto que as outras “partes” são descartadas por Durkheim: o indivíduo é em sua síntese e deixa de ser quando repartido. Durkheim analisa não o indivíduo, mas o particular frente ao coletivo.

    Outro deslize pode ser percebido ao priorizar, à sociologia, um domínio diferente do orgânico e psíquico – como visto – e posteriormente admitir que determinados atos ou posicionamentos “no espaço de nossa intimidade [...] não são propriamente nossos, mas sociais”; mais ainda, são “hábitos forjados”. Ora, ao transpor ao caráter privado arbitrariedade, soberania e hierarquia social, ou considera-se o indivíduo como nulo, logo, apenas moldável ou é-se obrigado a interpolar as múltiplas feições antes destacadas – e tidas como ignoradas pela sociologia de Durkheim.

    Através desta simplificação do humano que o sociólogo é capaz de organizar os indivíduos satisfatoriamente dentro de um organismo autossuficiente. Com isto, entende-se, retomando certos elementos, que por autossuficiente – sustentável – diz-se que a sociedade possui dentro de si uma malha complexa e altamente diversificada, porém todas estas relações são hermeticamente “fechadas”, condensadas, em um conjunto exterior e interiormente imutável e que quaisquer sintomas ou possibilidades que ameaçam tal ordem resultariam no colapso, na ruptura deste tecido sinalagmático – produzindo a anomia.

    Dentro desta concepção, é questionável a percepção dos efeitos da modernidade sobre a divisão do trabalho: por um lado, Durkheim encontra, positivamente, os danos causados pela intensa diferenciação – resultando na redução da consciência do trabalhador; por outro, apesar da consideração de certas esferas específicas dentro do organismo – e reconhecendo a interdependência diretamente proporcional ao fenômeno da pulverização do trabalho –, a visão de Durkheim interrompe o processamento e o alcance de uma análise que nos permite observar as incongruências e contradições inatas ao sistema laborial que se estuda, ou de modo geral o próprio capitalismo. Este “salto” epistemológico é restringido ao se ter em Durkheim o embate indivíduo x sociedade imanente quando se ocorre, ou se prenuncia, uma anomia e deixa-se de compreender a desigualdade existente, necessária e inata do sistema econômico vigente, que incorre na relação opressor x oprimido; esta sim, metodologicamente propícia a fornecer uma conjectura do movimento social e do indivíduo, tido como, em crítica à visão do francês, ser social.

Beatriz Yumi Picone Takahashi - Turma XXV, Direito noturno

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