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segunda-feira, 9 de abril de 2018

Bicho ou homem?

Certo dia, caminhava vagarosamente por uma praça, quando percebi, em meio à multidão desordenada da cidade, que um homem sujo vagava despercebido pela rua. Ao fundo, os cães ladravam o que escutavam na casa de seus vizinhos. Corriqueiramente, algumas pessoas que passavam pelo local olhavam-no depressa, com nojo e pena. Imerso pelo rítmico frenético do cotidiano, aquele ser era um mero figurante – a úlcera intrínseca ao corpo social, a ferida “cicatrizada” e invisível.
Assim que prossegui minha caminhada, observei uma exposição de arte moderna, com o tema: “Superação da desigualdade e progresso”. Logo em seguida, ao ver as belíssimas obras engajadas acreditei no mundo e no ser humano. A vivacidade dos artistas, que lutavam por justiça social, acendeu uma centelha de esperança nas cinzas que preenchiam meu ser resignado.
De repente, o homem sujo reapareceu e sentou em frente à exposição artística. Ao fundo, os cães ladravam o que escutavam na casa de seus vizinhos. Aquele ser estranho, mas necessário, demonstrou a hipocrisia que paira sobre todos nós. Aquele ser patológico continuou despercebido frente aos defensores da igualdade. Aquele ser imundo e miserável era útil para o funcionamento da sociedade demagoga, hierarquizada e injusta. Aquele homem - quase bicho - mas homem, é uma parte do organismo podre, do qual todos pertencemos.
Após observar aquela cena, corri em direção ao homem para ajudá-lo e em volta, todos me dirigiram um olhar torto. Ao me juntar ao mendigo tornei-me anômico e sujo como ele, pois aquele animal porco não deveria ser ajudado – “se ele está lá é porque foi um sujeito desmoralizado.”
Tentei estender minha mão para levantá-lo, mas a polícia chegou expulsando ele dali:
 – Como você pode sujar nossa cidade assim? – disse ao mendigo.
- E você como tem coragem de tocar nesse sujeito de cabelo pixaim?
Então, o morador de rua foi levado, a multidão que se aglomerou ao redor voltou para seus devidos lugares. Tudo voltou a funcionar normalmente, de maneira orgânica.
Ao fundo, os cães ladravam o que escutavam na casa de seus vizinhos.

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