Ao interpretarmos a ADPF 186, na
qual o Partido Democratas, tomando como ponto de partida as cotas raciais da
UnB, pretende julgar inconstitucional tal sistema de ação afirmativa, vemos
claramente como nossa realidade se relaciona à teoria de Boaventura de Souza
Santos. O partido DEM segue a ideologia que o pensador chama de
neoconservadorismo, e o STF, demoliberal (pois propõe a emancipação social
através da inclusão do excluído no contrato social, via legal) e de luta progressista
contra hegemônica em relação ao facismo social.
O neoconservadorismo, em que o
DEM se baseia, é resultado de um vazio institucional deixado pelos
demoliberalismo (reformismo jurídico para inclusão no contrato social) e
socialismo radical (ruptura com a legalidade e criação de um novo contrato
social) somado aos problemas da nova realidade social. Tais questões complexas
não acham soluções modernas e, aí, voltam as concepções conservadoras liberais clássicas
não-reformistas, que ignoram a exclusão estrutural e defendem somente a
consolidação da norma. Tal corrente sustenta-se no tripé do neoliberalismo, da
inovação tecnológica e da flexibilização (que implica a cultura do
individualismo).
Assim, o partido defende a
igualdade formal, a “meritocracia”, negando a realidade social do racismo,
afirmando que tais ações afirmativas são desnecessárias e, inclusive, ferem o
princípio da igualdade e ameaçam uma institucionalização do racismo. Porém, no
aspecto fático, essa consolidação da igualdade formal apenas aumenta o abismo social
e a desigualdade material, causando uma exclusão pós-contratualismo e
aumentando a hiperinclusão das classes privilegiadas.
O neoconservadorismo também invade a consciência geral e o senso-comum através do facismo social, resultado da globalização jurídica neoliberal, apoiada em quatro consensos: o consenso econômico neoliberal, o consenso do Estado fraco, o consenso democrático-liberal, o consenso do Estado de Direito e da reforma judicial.
Para quebrar esse facismo social
e promover a igualdade material, o Judiciário absorve o direito subalterno
emanado das classes excluídas, principalmente do Movimento Negro, e apóia as
ações afirmativas, via legal. Isso se dá tanto pela inclusão no contrato social
quanto pela representatividade e pluralismo no ambiente acadêmico, que seria
responsável por substituir a economia de saberes hegemônica pela ecologia de
saberes. Assim, a representação cosmopolita de referencias múltiplas seria
válida para as diversas realidades e, também, multiexplicativa, gerando a
compreensão da realidade fática social.
Portanto, a decisão de julgar improcedente a ADPF não é uma luta contra o direito, mas contra seu status quo. O que responde a indagação inicial de Boaventura: sim, o direito pode ser emancipatório.
Portanto, a decisão de julgar improcedente a ADPF não é uma luta contra o direito, mas contra seu status quo. O que responde a indagação inicial de Boaventura: sim, o direito pode ser emancipatório.
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