A miscigenação
na gênese do povo brasileiro não afastou o conflito racial entre brancos,
negros e indígenas. O racismo e a segregação social sempre se fizeram presentes
no Brasil. Por muito tempo alheio a essa situação, que tolhe o pleno
desenvolvimento do país, o Estado tenta transformar esse quadro de injustiça
através da implantação das cotas raciais nas universidades públicas. A medida é
válida? Atingirá seu objetivo?
A
iniciativa, inicialmente isolada, da Universidade de Brasília (UnB) de reservar
vagas para candidatos negros e mulatos em seu vestibular foi questionada pelo partido
Democratas (DEM) quanto ao suposto descumprimento do princípio da igualdade. Por
decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), abril de 2012, a iniciativa foi
sustentada e, a partir de então, as cotas raciais se fizeram imperativas nos
vestibulares dessas universidades. O Estado que se omite quanto à segregação
racial é o mesmo que defende as cotas?
As subversões
que se manifestam nas “zonas de contato” – apresentadas por Boaventura de Sousa
Santos – são próprias da modernidade, cujo espectro social amplo relativiza valores
como igualdade, solidariedade, liberdade e meritocracia. A possibilidade de ponderação
de valores e de manifestação de ideias contra-hegemônicas encontra espaço em
sociedades democráticas, mesmo que nem todos os grupos tenham representação
efetiva em sociedades pluralistas.
No
Brasil, a raça identifica a classe social do indivíduo. E nossa heterogeneidade
racial marca a divisão social, cuja emergência é caracterizada por Boaventura como
um novo fascismo. O fascismo social é a exclusão de determinados grupos no compartilhamento
e no uso efetivo de espaços, instrumentos e serviços públicos, bem como de
garantias e de desenvolvimento econômico deles.
O Estado
Democrático de Direito, apesar de omisso quanto à efetivação plena de direitos
e disponibilidade de garantias, consente com reivindicações de poder por grupos
apartados do comando estatal. A legalidade cosmopolita legitima a mobilização
política em geral, tornando possível também a consecução de pleitos especiais
como as cotas raciais. O conflito social e político, tendo o Estado como
mediador, se desenvolve nas “zonas de contato”, onde cada grupo exprime suas
convicções e planos e capta apoio de grupos similares. A tomada de decisão se consolida
no Direito, que transforma o desejo em norma e que se faz cumprir.
A origem
do racismo remonta à colonização dessas terras pelos portugueses, que exploraram
e ocuparam esse território com a mão de obra escrava. A cultura, a religião e o
discurso amparavam a escravidão de negros e justificavam as atrocidades dos
colonizadores. A escravidão foi interrompida há mais de um século, mas a
influência desse período ainda se faz presente quando o negro encara o
atendimento médico, a polícia, a Justiça, o mercado de trabalho e a educação
superior.
Vítima de
um ensino de base rudimentar, como ocorre com todos os pobres, o negro também
não se vê no ensino superior, pois os que conseguem acessá-lo são os que
tiveram, pelo menos, ensino médio de qualidade. Regra geral, só conseguem essa
proeza aqueles cujas famílias detêm mais recursos. As cotas raciais para
ingresso no ensino superior são mais que medidas compensatórias, são ações
afirmativas para esses excluídos.
A
solidariedade traz consigo a ideia de responsabilidades recíprocas entre indivíduos
pelo interesse em comum. No caso das cotas, a sociedade brasileira assumiu o
compromisso de equalizar oportunidades entre raças pelo propósito do
desenvolvimento pleno da cidadania e do país. Dessa forma, vê-se que as cotas
são válidas e podem promover os negros a uma condição satisfatoriamente melhor
que a atual. O Estado parece sair da inércia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário