“Discute-se nessa ADPF
que, no Brasil, ninguém é excluído pelo simples fato de ser negro [..] a
dificuldade decorre da precária situação econômica [...]”(julgado)
“Como bem analisou
Marcelo Lopes de Souza, professor da UFRJ: “No Brasil, por outro lado, é comum,
em meio a um universo cultural um tanto hipócrita, esquecer ou revelar a cor da
pele de um negro ou mulato economicamente bem-sucedido; é o chamado branqueamento
cultural, o qual, erroneamente, induz muitos a acreditarem que no nosso país
não há racismo, e que a única questão relevante a ser enfrentada, em matéria de
(in) justiça social é a da pobreza”. Se não é racismo, só pode ser cegueira.”
(artigo de Saullo Diniz)
Com a introdução da política de cotas
raciais no Brasil, uma série de discussões sobre o tema foi lançada, desde a
negação da constitucionalidade da medida a até mesmo a afirmação de que no
contexto brasileiro não existe racismo, o problema seria de ordem econômica. Baseando-se
nesses argumentos, essas medidas apenas piorariam a situação, já que não visam
a resolver o verdadeiro problema – a miséria de negros e brancos –, além de
acentuarem o culto à diferença em um país onde todos são iguais. Será?
De fato, a questão da desigualdade
material em oposição à igualdade formal é uma das grandes dificuldades que
deverá ser enfrentada. Contudo, o negro pobre é duplamente discriminado, afinal
o racismo não pergunta a quantidade da renda.
Assim, de acordo com Boaventura, a maximização dos interesses do capital
aliada a uma corrosão no contrato social gera uma sociedade excludente; essa
minoria, entretanto, não é nem parte desse contrato social, encaixa-se em um
pré-contratualismo, ou seja, não teve os seus interesses colocados no contrato
social primordial. Além disso, outro ponto abordado por Boaventura é a questão
do fascismo social (derivado da crise do contrato social), o qual produz como
resultado a valorização do econômico ao invés das políticas públicas, colocando
a instabilidade social como condição para a estabilidade econômica. Desse modo,
as minorias raciais fariam parte de um Terceiro Mundo Interior, já que a
possibilidade de trabalho deixou de ser uma perspectiva realista. Nesse âmbito entram-se
as cotas, para fazer frente a esse sistema.
No que tange a questão do racismo, negar
sua existência, como explicitado por Saullo Diniz, é recair na cegueira. A ADPF 186 alega que com a adição da
ação afirmativa vários preceitos fundamentais teriam sido violados, como o princípio
meritocrático; o direito universal à educação e a dignidade da pessoa humana. Trazendo
esses argumentos tão bem forjados para a realidade da população negra, de que
maneira o negro pobre tem seu direito a educação respeitado? Como poderia ele
competir meritocraticamente se seu ponto de partida é tremendamente desigual? A
dignidade da pessoa humana é um preceito de fato valioso, porém, se for
utilizada para justificar a ascensão de brancos ao ensino superior e a boas
condições de trabalho enquanto o suor dos negros escorre nos trabalhos que lhes
são reservados, esse princípio é apenas mais um dentre tantos que são tão belos
no papel, mas somente nele.
Não há
dúvida de que o racismo ainda vigora na sociedade atual, e por mais que muitas
vezes seja aliado a condições de pobreza, independe delas. Partindo-se dessa
premissa, caberia como solução a ação do direito como um instrumento
emancipatório, atuando no reconhecimento das diferenças como um complemento na
busca pela igualdade; em prol desse ideal, a adoção de cotas traduz-se em um
grande avanço. Afinal, enquanto essa discriminação – mesmo que velada – continue
a ser institucionalizada, não há como falar no respeito à dignidade humana. Com
o passar das décadas, mudaram-se as senzalas, mas os senhores
permaneceram os mesmos.
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