“Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.”
É com essa citação do autor, Boaventura de Sousa
Santos, que inicio o post da semana. Se tratando de relacionar seu pensamento
com a instituição de cotas raciais nas universidades públicas, apenas essa
citação já sintetiza: as cotas são justas e legítimas, visto que o
reconhecimento da diferença funciona como complemento da busca pela igualdade.
Com a chegada do Estado liberal, a emancipação social
deixou de ser perspectiva oposta à regulação social e passou a ser seu duplo.
Dessa forma, há duas estratégias para tal emancipação, de acordo com o autor. A
parlamentar – em que há a expansão do alcance do contrato social, sem fratura
da estrutura liberal – e a revolucionária – que assume a forma de confrontação
ilegal com o Estado ou com a economia capitalista. As ações afirmativas são
medidas legalistas, isto é, são o alargamento da cidadania política e social
das classes subalternas, sem a fratura da estrutra liberal. Já as lutas sociais
vão de encontro ao Estado e à economia capitalista. Contudo, as cotas não
surgiram como uma generosidade da classe dominante, mas foram conquista do
movimento de resistência negra, o que uniu a estratégia revolucionária e a
parlamentar, classificadas em oposição por Boaventura.
Outra discussão feita pelo autor é sobre a
instabilidade e fragilidade dos contratos, que são, quase sempre, objeto de
relações privadas. Esse fator muito tem a ver com a mudança do caráter da
militância. Hoje, nos deparamos com um ativismo individualista, onde há busca
pela protagonização pela protagonização, sem visar a emancipação coletiva. Mais
um fruto da pós modernidade.
O enfraquecimento dos movimentos já era um temor de
Boaventura, que propôs o desenvolvimento de uma teoria que procurasse promover
entre os movimentos e lutas uma compreensão mútua para que todos pudessem se
beneficiar das experiências dos demais e com eles colaborar. Contudo, até que
ponto isso é possível? Nesse espaço, mulheres seriam oprimidas pelos homens,
homossexuais seriam oprimidos por heterossexuais, negros seriam oprimidos por
brancos, pobres seriam oprimidos por ricos. Haveria silenciamento e apagamento.
Há a necessidade de espaços exclusivos para auto organização e possível
aproximação posterior com outros grupos.
Mas, voltando à questão do julgado, as cotas
evidenciaram fascismos sociais já classificados pelo autor. Por exemplo, o
fascismo do apartheid social ficou nítido na demarcação de espaço empreendida
pelos alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde mensagens de ódio
foram escritas para os cotistas e alunos negros. O fascismo contratual é
evidente quando observamos que, apesar da Universidade ser pública, os
discentes, inclusive os cotistas, devem pagar o ticket do Restaurante
Universitário e também inscrições para eventos e minicursos bancados pela
iniciativa privada e necessários para a aprovação na matéria de Atividades
Complementares. Por fim, o fascismo da insegurança está presente no fato que,
novamente, a Universidade é pública, mas a alimentação, o transporte, as xérox
são pagas. Os alunos cotistas não se sentem bem-vindos e pertencentes à Universidade.
Para concluir, respondo à questão de Boaventura. PODERÁ o
Direito ser emancipatório? Bom, a luta pelos direitos, por intermédio do
Direito, deve ser integrada à luta política, portanto, se não emancipatório, o
Direito é, pelo menos, essencial na luta por direitos. Agora, o Direito É emancipatório? Eu
acredito que, por si só, não. Mas os movimentos sociais o utilizam como
ferramenta para alcançar a emancipação, e assim deve continuar.
A estabilidade dos mercados e dos investimentos só é
possível à custa da instabilidade das expectativas das pessoas, ou seja, o
capitalismo se assenta na manutenção das opressões de gênero, classe e raça. A
conquista das cotas raciais foi uma afronta a essa estabilidade. Uma afronta ao
Estado liberal. Uma afronta ao racismo e segregação institucionais. A conquista
das cotas raciais foi uma emancipação pelo Direito.
Gabriela Alves Fontenelle - 1o ano Direito - noturno
Gabriela Alves Fontenelle - 1o ano Direito - noturno
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