No livro A corrosão do caráter, o escritor Sennett, no
primeiro capítulo, conta a história de Rico, um homem bem sucedido, filho de um
faxineiro imigrante italiano.
Rico, assim como muitos jovens da sua classe em seu tempo, alcançou a ascensão
social, saindo de uma simples família operária e se tornando um empreendedor.
Porém, nessa história, não foi somente Rico que mudou, mas todo o mundo: o modo
de produção agora era outro.
Na época em que Eurico, pai de Rico, era faxineiro, o modo de produção
estabelecido era o fordista, linear e acumulativo, com a presença de fortes
sindicatos e legislação trabalhista e previdenciária.
Porém, quando vamos analisar a vida de Rico, ela é totalmente influenciada pelo
modo de produção vigente, o Toyotismo. Neste caso, o que vigora não é mais a
produção linear, como no fordismo, mas o trabalho difuso, a terceirização, a
empresa flexível, enfim, a flexibilização extrema do trabalho.
Assim como na vida de Rico, a população global quase que em
sua totalidade vive sob influência das condições materiais estabelecidas,
lidando com o risco constante de mudança e com os frequentes ataques e
retiradas de direitos pelo governo, em nome do Neoliberalismo e de uma lógica
de “Menos direito e emprego OU todos os direitos e desemprego”, como disse o
nosso presidente Bolsonaro.
O desemprego no Brasil já é uma realidade. No ano passado,
já eram 11 milhões de desempregados no país. Hoje, em meio a pandemia de Corona
vírus, a situação é ainda pior, haja vista o fechamento de mais de 8 milhões de
postos de trabalho entre abril e junho.
Mesmo em meio a calamidade, o Governo Federal não se conteve
em atacar o funcionalismo público. Os ataques direcionados se tornaram pauta da
Capital e têm se intensificado desde fevereiro, quando o ministro da economia,
Paulo Guedes, comparou funcionários públicos a parasitas: “O hospedeiro está
morrendo, o cara virou um parasita, o dinheiro não chega no povo e ele quer
aumento automático”. Defendendo a reforma administrativa, ainda disse que os
servidores já têm “privilégios” como a estabilidade e a aposentadoria. Ora, é
visível a corrosão da proteção do trabalhador brasileiro. O que antes foi
defendido pelos sindicatos e conquistado com a CLT, os direitos trabalhistas e
sociais, hoje é visto como mero privilégio, ou seja, não pertence a todos e
aqueles que o possuem, não o deveriam, pois, incitam a desigualdade. É uma
falácia.
Além da deterioração de direitos e da instabilidade no trabalho,
os indivíduos têm de lidar com as consequências que um modo de produção tão difuso
e incerto pode ter em suas vidas: tem de estar preparado para qualquer
acontecimento que seja, desde reajuste salarial até uma pandemia. Uma exigência
extrema de capacitação do trabalhador que leva a altos níveis de estresse e
ansiedade com relação ao medo constante do fracasso. A música Oh No!, da
cantora Marina, exemplifica muito bem esse sentimento, quando diz: Uma cabeça focada, um
coração obcecado/ Se eu falhar, vou desmoronar/ Talvez tudo isso seja um teste/
Porque eu
sinto que sou a pior/ Então eu sempre ajo como se fosse a melhor.
Lendo o livro de Sennett, é possível imaginar quais os fatores que levam
a “corrosão do caráter”. O problema não está simplesmente na forma de produção
vigente, que, como diz Marx no livro A Ideologia Alemã “o que os indivíduos são
depende, por tanto, das condições materiais de sua produção”, mas também no
antagonismo existente entre a moral e costumes ensinados largamente pelas
gerações passadas e o atual modo de produção. Porém, este não é o único e está
longe de ser o problema central, que estaria no capitalismo e o seu atual
estágio: extremamente impessoal e super alienante, que trata o fator humano
como meras peças substituíveis de uma máquina agressiva.
Angela Severo dos Santos – matutino
Referências:
Araújo, Carla; Murakawa, Fábio. Bolsonaro: Trabalhador terá de escolher
entre mais direitos ou emprego. Valor Econômico, Brasília, 4 abr. 2018, 19:17.
Disponível em:
https://valor.globo.com/politica/noticia/2018/12/04/bolsonaro-trabalhador-tera-de-escolher-entre-mais-direitos-ou-emprego.ghtml.
Acesso em 22 ago. 2020, 20:54.
Silveira, Daniel. Paulo Guedes compara funcionário público a
'parasita' ao defender reforma administrativa. G1, Rio de Janeiro, 07 fev.
2020, 14:25. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/07/paulo-guedes-compara-funcionario-publico-a-parasita-ao-defender-reforma-administrativa.ghtml.
Acesso em 22 ago. 2020,
20:54.
Alvarenga, Darlan. Desemprego sobe para 13,3% em junho e país tem nova
queda recorde no número de ocupados. G1, 6 ago. 2020, 09:02. Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/06/desemprego-sobe-para-133percent-em-junho-diz-ibge.ghtml.
Acesso em: 22 ago. 2020, 20:54.
OH NO!.
[compositora e intérprete]: Marina Diamandis. Reino Unido: The Family Jewels,
2010.
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