Na música “Cotidiano” de Chico Buarque, o cantor retrata o dia-a-dia de um trabalhador comum, o qual tem sua rotina de forma cíclica, visto que “todo dia ele faz tudo sempre igual”, o que se torna evidente pois a canção termina do mesmo jeito que começou. O parágrafo “Todo dia eu só penso em poder parar/ Meio-dia eu só penso em dizer não/ Depois penso na vida pra levar/ E me calo com a boca de feijão”, mostra a insatisfação do homem com seu trabalho e seu cotidiano, que pensa em desistir, mas depois de lembrar de suas obrigações (“vida pra levar”) se contenta com seu estado atual e vai para seu horário de almoço. À luz de Karl Marx, o qual, em sua teoria, critica e busca superar o modo de produção capitalista, as relações de produção estão refletidas na organização da vida social, ou seja, o que o indivíduo é depende das condições materiais de produção. Desse modo, o trabalhador representado por Buarque é, desde seu nascimento, moldado por sua classe social e acaba se sujeitando à ela, sem perspectiva de ascender economicamente e melhorar seu estilo de vida.
Em paralelo, a canção de Zé Ramalho, “Cidadão”, também mimetiza a desigualdade social vista pelos olhos do trabalhador que, agora, é um pedreiro, o qual observa o prédio que construiu com as próprias mãos e, enquanto o faz, um cidadão o pergunta, desconfiado, se ele está querendo roubar o prédio. Consequentemente, o pedreiro fica com uma extrema tristeza e desalento e diz “eu nem posso olhar pro prédio que eu ajudei a fazer”. Essa passagem mimetiza à crítica marxista ao sistema de produção capitalista, em que o proletário/trabalhador tudo produz, trabalhando incansavelmente mais que o dono dos meios de produção, porém o lucro e o pertencimento do produto nunca é do trabalhador. Ainda, na música, o pedreiro lembra de quando morava no Norte e fala “Lá a seca castigava, mas o pouco que eu plantava tinha direito a comer”, ou seja, apesar do clima difícil, pelo menos o que ele produzia, o pertencia.
Contemporaneamente, há a ascensão do trabalho informal, principalmente quando se trata de entregadores de aplicativo, os quais não são registrados e se expõem a péssimas condições de trabalho, como jornadas de mais de 12 horas para ganhar menos que um salário mínimo, pois não têm outra opção de sustento. O sociólogo Sennett explica que a emergência de uma acumulação flexível gera um estado de mudança permanente, na qual o risco e incerteza tornam-se natural, fazendo parte do nosso cotidiano e, desse modo, para a sociedade capitalista, todos devem ser empreendedores e assumir esse risco individualmente, ou seja, sem proteção da legislação social e trabalhista, que é exatamente o caso dos entregadores de aplicativo, os quais não tem nenhuma garantia de continuidade no emprego e nenhuma segurança no trabalho.
Por fim, para Marx e Sennett, o que o trabalhador, o pedreiro e o entregador de aplicativo têm em comum? O pensamento e a forma de ser da classe dominante é, também, o da sociedade, assim, todos eles - bem como todo corpo social - fazem de tudo para se encaixar nos padrões burgueses, seguindo seus costumes e sua ideologia, a qual prega que o valor das pessoas estão no quanto elas têm, ideologia que exclui as classes minoritárias e humilha o trabalhador, fazendo-o se desdobrar no serviço todos os dias para, ao fim do mês, ganhar uma miséria e mal conseguir o seu sustento, para que, desse modo, a classe dominante continue no topo, explorando sua mão de obra.
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