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domingo, 6 de outubro de 2019

Os problemas sociais e a intervenção do Direito


         O racismo é um problema histórico-social-cultural, que possui suas raízes no colonialismo, e afeta, até os dias de hoje, uma grande parcela da população negra brasileira. Após a abolição da escravatura, que já tinha sido tardia em comparação a outras nações, o Estado brasileiro não ofereceu nenhum suporte aos ex-escravos.
Ainda, com a política de “embranquecimento”, no final do século XIX, na época da imigração europeia, principalmente no Rio de Janeiro, que era capital do país nesse período, a população negra foi “realocada” dos grandes centros, onde já viviam em condições precárias, para a periferia; e é onde grande parte dessas pessoas se encontram até a contemporaneidade.
Analogamente, a questão da homofobia e transfobia também é um problema construído culturalmente. Desde a disseminação da cultura judaico-cristã, com a assimilação da ideia de que as práticas sexuais serviam estritamente para procriação, o ato homossexual foi ganhando novas feições e sendo reprimido pela igreja, que tratava como pecado.  
A homotransfobia é classificada como aversão, repugnância, medo, ou ódio à população da comunidade LGBT a qual, muitas vezes, gera violência contra as pessoas que se identificam com essa comunidade.
Em ambos os problemas, essas populações são marginalizadas, postas à mercê de uma sociedade que as oprime, física e psiquicamente; e até recentemente, não possuíam nem amparo do Direito.
Foi apenas com a Constituição de 1988, considerada a “Constituição Cidadã”, onde um dos principais pilares é a garantia dos Direitos Fundamentais individuais, que incluem o direito de liberdade, de dignidade da pessoa humana e de igualdade, foi possível a busca pela criminalização dessas questões.
A Lei do Racismo, nº 7.716, surgiu apenas em 1989 e dita, em seu primeiro parágrafo, que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, obtendo assim, uma vitória importantíssima quanto às questões sociais.
Entretanto, a criminalização da homofobia ocorreu apenas em junho de 2019, e depois do longo processo de julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26 e do Mandado de Injunção (MI) nº 4733, tendo o primeiro o Ministro Celso Mello como relator, e a participação de diversos amicus curiae.
Foi decidido, por maioria do Supremo Tribunal Federal (STF), que os crimes de homofobia e transfobia seriam enquadrados na Lei do Racismo, além de reconhecerem que havia mora legislativa quanto ao tema.
Se dentro dessa realidade, ainda é uma luta diária para se poder exercer os direitos de liberdade, igualdade e dignidade, há de se imaginar a realidade dessas populações minoritárias na sociedade do século XX.
Sendo uma forma de ilustrar essa realidade, “Madame Satã” é um filme de 2002 que retrata a vida do transformista brasileiro João Francisco dos Santos, negro, pobre e homossexual. Sob a alcunha de Madame Satã, ele tornou-se um dos personagens mais representativos da vida boêmia e marginal do bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, na década de 30.
João se prostituía e vivia em um cortiço com Laurita, prostituta e sua “esposa”, e a filha dela; no mesmo ambiente, vivia também Tabu, seu amante infiel. A obra perpassa pelo seu cotidiano violento e cheio de conflito, culminando em sua carreira como artista, onde ganhou seu apelido, retirado do filme homônimo dirigido pelo cineasta americano Cecil B. deMille.
A violência imposta diariamente sobre ele, aliada ao seu temperamento, fez com que fosse preso diversas vezes durante a vida. Um dos casos mais emblemáticos, foi o homicídio de um dos homens que frequentava a casa noturna em que ele se apresentava, depois de uma discussão entre os dois; gerando uma reclusão de dez anos ao artista.
            Essa obra biográfica retrata de forma bastante concisa a realidade dos negros homossexuais na sociedade da década de 30, tendo o pensamento dessa sociedade, refletido ainda nos ideais conservadores que nos últimos anos ressurgiram com mais força, concomitantemente com os movimentos sociais em prol desses grupos.
         Para trazer essa pauta, foi organizado um cine-debate pelo Centro Acadêmico de Direito na UNESP/Franca, em que foram convidadas duas integrantes transsexuais do coletivo Casixtranha.
Por mais que o filme não tivesse sido abordado como elemento principal, elas conseguiram trazer uma visão de quem, no dia-a-dia, sente na pele a violência contra as populações negra e homotranssexual, além de terem trazido dados concretos e assustadores sobre o tema.
Ademais, foi possível perceber que elas demonstram um "cansaço" em relação a isso, e em muito, elas lembram Madame Satã, como a forma de se expressarem artisticamente, e a linguagem, de certa maneira, violenta. Isso demonstra, mesmo que de forma implícita, uma resposta às violências sofridas e pode ser o único jeito que elas vêem de serem ouvidas nessa realidade.    
Destarte, é possível a reflexão de como essa população, mesmo com as vitórias quanto as criminalizações, ainda sofre bastante, apenas por serem quem são. Isso demonstra que ainda há muitas ideologias que devem ser desconstruídas, para que haja o abarcamento da pluralidade que são os humanos.
Sendo assim, nós, como estudantes de Direito, devemos buscar sempre, seguindo os preceitos da Constituição, estar melhorando a qualidade de vida dessas populações vulneráveis, com a garantia do exercício de seus direitos, gerando assim, nas palavras de McCain, uma mobilização do Direito.
Como afirma Audre Lorde escritora caribenha-americana, negra, feminista e ativista dos direitos civis: "quando falamos, temos medo de que as nossas palavras não vão ser ouvidas ou bem-vindas. Mas quando estamos em silêncio, ainda temos medo. Por isso é melhor falar.". Assim, devemos dar vozes a esses grupos, pois o medo é o princípio da opressão. E quem realmente somos, não pode ser oprimido.

Daiana Li Zhao - 1º ano - Direito Matutino

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