"A história de todas as sociedades que
existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes."
Um monstro vive debaixo de sua cama. Um
monstro temível, feroz e indomável. Você o conhece, sua existência
nunca lhe foi uma dúvida. E, assim como um pescador acostuma-se com
o cheiro podrido de peixe, você se acostuma com o monstro debaixo de
sua cama.
Isto não significa, nem por um segundo,
que ele não te incomode.
A fera arruína cortinas, revira seu
quarto, derruba os pratos da cozinha, não o deixa dormir por dias.
Você a odeia, mas não imagina uma vida em que ela não exista. O
monstro esteve lá desde que você se lembra, nos primórdios de sua
infância, destruindo seus brinquedos e te assustando a noite.
Seus pais te culpam por toda infelicidade
que o monstro veio a lhe causar. A bronca dura dia e noite, unindo-se
com o grunhir do monstro num zumbindo infinito que lhe faz tampar as
orelhas em busca de silêncio. Você não discute. Desistiu há anos
de convencê-los do monstro. Eles o chamam de louco, brigam pela
insolência. Eles não conseguem enxergá-lo, você pensa.
Você obedece seus pais e finge – assim
como eles – que o monstro não existe. Mas eles não fingem, certo?
Por que o fariam? Você ignora aquela vozinha irritante no fundo de
sua mente e aquiesce. Você cresce, um filho exemplar. Você arruma
toda a destruição do monstro que, depois de todos esses anos,
continua o mais inconveniente possível.
Um amigo visita sua casa. Não lhe era
particularmente um bom amigo, mas seus pais desgostavam de suas
amizades, então elas lhe eram rara. Elas o fazem distraído, seus
pais ralham. NÓS somos seus amigos, eles dizem.
De qualquer forma, seu amigo visita. O
porquê não era importante, mas lá estava ele, no seu quarto. No
meio da bagunça do dia que você não ainda dera conta de arrumar.
Ele vê o monstro.
Claro como a luz do dia. Na realidade, ele
também possui um monstro debaixo de sua própria cama. Todas as
crianças possuem, ele comenta plácido. Não é uma surpresa.
O seu chão cai. Mil questões rodeiam sua
cabeça.
Mas seus pais o conseguem ver?, você
questiona desvairado. Agora, esta criança que se mostrou indiferente
ao ver o temível monstro que habita seu quarto carrega um semblante
temeroso. Eles fingem que não, ele sussurra, todos os adultos fingem
que não.
Você cresce. O monstro nunca saiu debaixo
de sua cama e o conhecimento que seus pais sempre o viram não sai de
sua cabeça. Você cresce, torna-se um admirável adulto. Você se
casa. Você possui um filho.
O monstro de sua cama agora é o da cama
dele. O monstro, assim como fez com você, destrói todas as coisas
do caminho. Você culpa seu filho, o faz compensar por tudo que o
monstro fez.
Você, assim como seus pais, finge que não
vê o monstro. Lhe é mais conveniente culpar seu filho, fazê-lo
trabalhar por tudo que um dia você trabalhou. Na realidade, você
alimenta o monstro, cuida dele. Você não sabe exatamente o porquê.
É a ordem natural das coisas. Seu eu criança grita por dentro mas
você o ignora. Um dia, você pensa, seu filho irá fazer o mesmo.
Você estava errado.
Seu filho se cansa. Mas, ao contrário de
você, ele explode. Seu filho, unido a seus próprios amigos (Você
sempre foi mais flexível sobre esta questão, que erro), destrói o
monstro de sua casa. Eles destroem os monstros de todas as casas. A
criança dentro de você vibra. Eles destroem você.
Você encontra o fim com um sorriso no
rosto.
Finalmente,
o recomeço.
Bárbara Jácome Vila Real - 1º Ano do Direito Matutino
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