PONTO DE MUTAÇÃO:
a crise da ciência e a resposta holística.
“Como causas de sua confusão ou renúncia os
intelectuais citaram "novas circunstâncias" ou "o curso dos
acontecimentos" — Vietnam, Watergate e a persistência de favelas, pobreza
e criminalidade. Nenhum deles, entretanto, identificou o verdadeiro problema
subjacente à nossa crise de idéias: o fato de a maioria dos intelectuais que
constituem o mundo acadêmico subscrever percepções estreitas da realidade, as
quais são inadequadas para enfrentar os principais problemas de nosso tempo.
Esses problemas, como veremos em detalhe, são sistêmicos, o que significa que
estão intimamente interligados e são interdependentes. Não podem ser entendidos
no âmbito da metodologia fragmentada que é característica de nossas disciplinas
acadêmicas e de nossos organismos governamentais.” – Fritjot Capra
A realidade é
transcendente, dinâmica, sujeita às variações das mais determinadas ordens.
Essa é a ideia que perpassa o filme “Ponto de Mutação”, baseado no livro de
mesmo nome, do físico Fritjot Capra. No diálogo entre um político, um poeta, e
uma cientista, todos em crise com suas existências, está a essência do livro de
Capra, uma crítica ao pensamento fragmentado e a busca de um novo paradigma
para a ciência.
PORQUE A CIÊNCIA
ATÉ ENTÃO PRATICADA FALHOU? Capra x Descartes/Bacon.
Até agora, no curso de sociologia,
vimos basicamente dois autores: Descartes e Bacon. Os dois, cada qual a sua
maneira, mas também cada qual complementando e percorrendo o pensamento do
outro, fundamentaram a ideia de ciência que temos hoje: empírica, fragmentada,
que olha a parte para compreender o todo. Mas porque então, Capra entende que
essa ciência bem fundamentada e operante falhou?
Bacon dizia que o propósito
essencial da ciência é estabelecer o domínio do homem sobre a natureza.
Entretanto, Capra afirma que esse domínio está sendo danoso. Percebamos que ao
olhar para cada área científica separadamente, veremos que o progresso é
inegável. Na medicina temos mais formas de salvar vidas, na engenharia,
maneiras melhores e mais viáveis de construir prédios, navios, aviões, cada vez
mais seguros, na química temos medicamentos melhores, produtos químicos mais
eficientes e etc. Entretanto, se olharmos o todo, como propõe Capra, veremos
que o sistema que compõe os indivíduos e o planeta vive uma crise grave. O
progresso segmentado nos impediu de ter uma visão holística da realidade. São
sinais da crise, para Capra, a miséria material de parte significativa da
família humana, a crise de ideias na academia e especialmente a deterioração do
meio ambiente e a crise nuclear do fim dos anos 70 e começo dos anos 80
(período em que escreve), com a iminente, porém nunca ocorrida, guerra nuclear
entre URSS e EUA.
UM NOVO
PARADIGMA: novas reflexões e o diálogo alegórico do filme “Ponto de Mutação”.
Para resolver essa crise sistêmica,
Capra propõe uma solução também sistêmica. É o que ele chama de “Concepção
sistêmica da vida”, a ideia de que é possível ver a realidade de uma maneira
distinta, corroer as velhas bases da ciência e iniciar uma nova forma de
analisar o mundo, que abarque o conhecimento intuitivo e que não separe mais a
matéria do espírito (antítese marxista-hegeliana). Capra propõe, de maneira
bastante ambiciosa, o fim do pensamento linear, e o nascimento de uma nova
forma de pensar, que não esteja amarrada ao método cartesiano.
Tendo isso em mente, no filme “Ponto
de Mutação”, observamos que os três personagens representam três alegorias. A
cientista representa a própria ciência em crise, o poeta representa a
subjetividade humana, também em crise e aparentemente sem espaço, e o político
representa a identidade política humana. Ele é de certa forma aquele que media
o debate, mas é também a alegoria do homem político, o homem social. A crise
que os três vivem em suas vidas representa a crise catastrófica vista por Capra
em seu livro. Nesse sentido, o diálogo que eles constroem, é a própria resposta
sistêmica proposta por Capra. Principalmente na personagem que vive a
Cientista, vemos uma profunda crítica ao método científico e a vontade de ver
triunfar uma visão orgânica das coisas: tudo está ligado e tudo se renova.
A QUESTÃO QUE
PERMANECE: E as ciências humanas? Qual a relação entre o ponto de mutação e o
pensamento clássico?
Sobre as ideias postas no filme e no
livro, gostaria de lançar duas questões para a reflexão daquele que lê esse
texto:
Na crítica ao
empirismo, temos que achar o lugar das ciências humanas. Essas ciências nunca
abraçaram por definitivo o método empírico e já apresentam, de certa forma, uma
visão mais holística do mundo. São mais interdisciplinares, muito mais
dinâmicas e menos fragmentadas que as ciências “naturais”, e vivem em constante
crise com seus métodos. Portanto, qual o ponto de mutação das ciências humanas?
O que Capra
propõe, em linhas muito grosseiras, é um pensamento holístico universal. Mas
será que isso é possível, ou isso significaria o fim da ciência como conhecemos
e uma volta ao pensamento clássico? Nesse sentido, as ideias de Capra se
relacionam diretamente com a forma antiga de pensar as coisas ou não?
Victor Abdala –
1º ano de Direito (NOTURNO)
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