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Antagonizando com Hegel que entendia o Estado como algo
similar ao êxito da racionalidade, Marx e Engels o entendia como uma forma de
manutenção das relações estabelecidas, do "status quo". Ainda que
divergências possam existir, fato é que quando se uma ou outra liderança
tentou romper parte dos laços sociais estabelecidos, esse Estado, através de
setores da sociedade civil atuaram de forma contundente a fim de manter a
vigência do previamente determinado. Nesse sentido, pode-se destacar as
repressões ocorridas no contexto das revoltas regenciais, a forte reação
militar no contexto da Revolução Mexicana de 1910, parte da Revolução
Constitucionalista de 1932, os golpes militares latino-americanos na segunda
metade do século XX, ascensão de alguns regimes autocratas no pós-Primavera
Árabe, dentre outros ocorridos.
Partindo desse ponto, vale citar o trecho do discurso de Salvador Allende em
1973 instantes antes de ser derrubado, desse modo, pode-se sentir com mais
profundidade alguns dos nuances do Estado no que tange a manutenção desse
"status quo", os artifícios utilizados, além dos custos humanos
que, por vezes, são pagos.
"Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me
a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Magallanes. Minhas
palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para
quem traiu seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares,
o almirante Merino, que se autodesignou comandante da Armada, e o senhor
Mendoza, general rastejante que ainda ontem manifestara sua fidelidade e
lealdade ao Governo, e que também se autodenominou diretor geral dos
carabineros.
Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: Não vou renunciar!
Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade ao
povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à
consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada
definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os
processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a
fazem os povos.
Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre
tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas intérprete de
grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a
Constituição e a lei, e assim o fez.
Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a vocês,
quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à
reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição, que
lhes ensinara o general Schneider e reafirmara o comandante Araya, vítimas do
mesmo setor social que hoje estará esperando com as mãos livres, reconquistar
o poder para seguir defendendo seus lucros e seus privilégios.
Dirijo-me a vocês, sobretudo à mulher simples de nossa terra, à camponesa que
nos acreditou, à mãe que soube de nossa preocupação com as crianças.
Dirijo-me aos profissionais da Pátria, aos profissionais patriotas que continuaram
trabalhando contra a sedição auspiciada pelas associações profissionais,
associações classistas que também defenderam os lucros de uma sociedade
capitalista. Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e deram sua alegria
e seu espírito de luta. Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao
camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque emnosso país
o fascismo está há tempos presente; nos atentados terroristas, explodindo as
pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos,
frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam
comprometidos.
A historia os julgará.
Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranqüilo de minha voz
não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la. Sempre
estarei junto a vocês. Pelo menos minha lembrança será a de um homem digno
que foi leal à Pátria. O povo deve defender-se, mas não se sacrificar. O povo
não deve se deixar arrasar nem tranqüilizar, mas tampouco pode humilhar-se.
Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Superarão
outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende
impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes
alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.
Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! Estas são minhas últimas
palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão. Tenho a
certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a
covardia e a traição."
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