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segunda-feira, 13 de junho de 2022

 A miséria religiosa

  Marx e Engels constroem toda sua teoria a partir de uma perspectiva materialista, ou seja, de um entendimento de que o “concreto” e não o “ideal” seria o ponto de partida para a compreensão da realidade. Nesse sentido, os teóricos detalham e reiteram em sua obra “A Ideologia Alemã” que na construção de sua análise não partem “do que os homens dizem, imaginam e representam, tampouco do que eles são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação dos outros” para que só depois cheguem “aos homens de carne e osso”, como seria esperado em uma perspectiva idealista- mas que, ao contrário, pautam-se pelas condições materiais de existência. Desse modo, tem-se que tal pensamento crítico acerca das abstrações e ideologias fundamentam algumas das principais críticas à religião feitas por esses estudiosos, principalmente as que dizem respeito ao falseamento da realidade e ao estabelecimento da religião enquanto uma entidade pautada na exploração da miséria e do sofrimento, responsável por “castrar” o Homem e sua possibilidade de transformação.

  Nessa linha de análise materialista e crítica, entende-se que todas as representações abstratas não se estruturaram de forma autônoma, sendo necessário que conceitos como a arte, a ciência e a própria religião estejam atreladas à uma base material para que possam existir. Dessa forma, ao se compreender que “não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência” , percebe-se uma incompatibilidade com a narrativa transcendental basilar propostas pelas perspectivas religiosas, de forma que estas seriam responsáveis por tornar o entendimento da realidade pelos homens disforme e recheado de ilusões- constituindo assim a chamada “ideologia”; o falseamento do real. 

  A partir dessa perspectiva de distorção do real, Marx e Engels entendem que a religião é utilizada enquanto um instrumento de pacificação da realidade social, de tal forma que a “miséria religiosa” seria a “expressão da miséria real”, ao mesmo tempo que um protesto contra esta. Ou seja, a religião abarcaria os sofrimentos e as misérias e promoveria justificativas e compensações abstratas a estas, distraindo os sujeitos da vida real, ou mesmo do conflito de classes. Com descrições fortes, como “o sol ilusório que gira à volta do homem enquanto ele não gira à volta de si mesmo”, a religião seria para Marx e Engels um indicador da castração dos potenciais do Homem e de sua capacidade de agir e transformar sua realidade.

  Na vida contemporânea, diversos são os exemplos cotidianos em que se apresenta esse fator de limitação da capacidade humana através de uma manipulação objetiva dos mais vulneráveis pela religião. Um dos exemplos mais recentes foi a posição adotada pela Igreja Universal de vislumbrar uma oportunidade a partir da guerra na Ucrânia de “ganhar almas”, ou seja, de se utilizar de um contexto de vulnerabilidade social para moldar a realidade para seus próprios fins. Utilizando-se da “teologia da prosperidade”, não são raras as notícias de pessoas que se veem coagidas psicologicamente a doar bens importantes para a própria vida, persuadidas pela religião. Assim, percebe-se como a realidade, as motivações dos conflitos e o próprio entendimento de mundo podem ser comprometidos e distorcidos por tais ideologias, como há muito previsto por Marx e Engels.

Em conclusão, não é necessário que se adote uma postura radical pela abolição da religião como a dos teóricos materialistas citados para que se atente a certos abusos de instituições que se aproveitam do “suspiro da criatura oprimida” para limitar as possibilidades de autonomia e transformação de tais sujeitos.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61600453, “Igreja Universal abre templo na Ucrânia para 'ganhar almas' durante guerra”

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43325773, “Gaúcha vence na Justiça batalha para recuperar bens doados à Igreja Universal: 'Lavagem cerebral'



Isabella Neves- 1º ano direito matutino

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