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domingo, 18 de outubro de 2015

A humanização além do gesso normativo

O método sociológico utilizado por Max Weber fundamenta-se na compreensão do sentido das ações individuais em interação com a sociedade: a ciência possui como objetivo a percepção da realidade a partir de dados empíricos. Tal busca pelo entendimento da sociedade – que, inclusive, passa a se caracterizar como uma verdadeira teia de ações sociais responsável pela criação de instituições – é firmada na racionalidade e na compreensão cada vez mais qualificada do real. Nessas relações sociais, encontram-se pessoas singulares, vontades individuais desiguais (geradoras, consequentemente, de conflitos).
Ao abordar-se o conceito de racionalidade universal, o sociólogo é categórico ao afirmar que esta existe enquanto projeto; não obstante, no processo sócio-político, tal racionalidade é a de uma classe – perdendo, assim, o caráter de universalidade – que, por não atender à eminência universal da razão, desencadeia outras formas de racionalidade (como exemplo, racionalidade do movimento negro, do movimento LGBT, do movimento operário, entre outras formas de se pensar o mundo a partir de uma perspectiva de grupos sociais). A “imposição” das racionalidades das classes dominadas – aqui, tal conceito apresenta-se à época de Weber, ou seja, representa as classes não-burguesas – dá-se, historicamente, por meio de ferramentas de lutas como greves e movimentos sociais; elas imprimem a sua força na tentativa de reproduzir seu modo de pensar. Se, de um lado, o sentimento de uma comunidade de interesses estimula ações comuns e unificadas em defesa dos interesses de classe ou de grupo social, do outro, tem-se o apoio à forma positivada, uma vez que é um instrumento extremamente útil para a classe que domina: é uma espécie de escudo contra os conflitos existentes na sociedade. Em suma, esse sentimento de justiça espontâneo se traduz em um direito material, visto que não é universalizado.
Dando destaque a dois tipos de racionalidade para a futura análise em conjunto ao julgado da Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales, tem-se a formal e a material. A racionalidade formal assemelha-se muito ao direito hegeliano – aquilo que existe na forma (essência do projeto burguês) – por possuir “caráter calculável das ações e seus efeitos”. Já a segunda, não se encontra puramente em uma perspectiva racional: valores, exigências éticas, entre outros, são considerados; vai além da perspectiva marxista justamente por não se tratar apenas de uma classe. Imperioso destacar que qualquer que seja a racionalidade, esta sempre terá limite – seja no direito, na economia, etc.
No campo do Direito, é passível considerá-lo como ferramenta de condutas esperadas ligadas à normatividade, o que acaba por criar a possibilidade de cálculo (em relações comerciais, por exemplo). A ideia de direito natural, para Max Weber, consiste em um elemento mobilizável a fim de mudar a sociedade; todavia, não permanece como o princípio norteador – espontaneamente, tal direito origina disposições materiais: a dinâmica da realidade possui uma forte conotação de uma normatividade material.  A importância de se saber o grupo social dominante, na perspectiva weberiana, está entrelaçada com o conhecimento acerca do rumo da sociedade: quem domina consegue mobilizar o direito e suas instituições, imprimindo, assim, os elementos de sua racionalidade. A dinâmica revolucionária contra a ordem legitima a criação de um novo direito, além de mobilizar o direito natural formal que resulta em uma dinâmica material; cria-se, assim, uma dialética permanente.
Após uma breve análise acerca do pensamento weberiano quanto à racionalidade e o direito, é possível pensar o caso julgado da semana: uma demanda em que a parte-autora pleiteia a realização de cirurgia de transgenitalização e alteração do registro civil, para constar novo nome e modificação do sexo masculino para o sexo feminino. Ainda que jurisprudência brasileira acolha os três pedidos, o debate é mais denso e delicado: preconceito, configuração como “patologia”, garantia de direitos, sofrimento decorrente do sentimento de inadequação à sociedade. É fato que a sociedade guia-se de maneira tecnológica e quadrada, em que todos os indivíduos que a compõe estão sujeitos a processos e imposições para permanecerem no modelo padrão, traduzindo, até mesmo, em privação de direitos. A capa patológica – tão defendida por uns – deve ceder lugar à aceitação e compreensão do transexualismo como um modo de ser e de viver.
No caso específico normativo, é necessário destacar, como apontado pelo juiz da ação, Fernando Antônio de Lima, que “o direito à identidade configura um direito fundamental, mas também um direito humano”. É feliz ao lembrar, ainda, que a própria Constituição Federal regula o pluralismo como fundamento do Estado Democrático de Direito, havendo a necessidade de reconhecimento de todas as formas de viver. Com a decisão favorável, firmou-se a racionalidade material, humanizando o campo formal e engessado das normas.

Isabelle Elias Franco de Almeida
1˚ ano, direito (noturno) – aula 1.2


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