O método sociológico
utilizado por Max Weber fundamenta-se na compreensão do sentido das ações
individuais em interação com a sociedade: a ciência possui como objetivo a
percepção da realidade a partir de dados empíricos. Tal busca pelo entendimento
da sociedade – que, inclusive, passa a se caracterizar como uma verdadeira teia
de ações sociais responsável pela criação de instituições – é firmada na
racionalidade e na compreensão cada vez mais qualificada do real. Nessas
relações sociais, encontram-se pessoas singulares, vontades individuais
desiguais (geradoras, consequentemente, de conflitos).
Ao abordar-se o
conceito de racionalidade universal, o sociólogo é categórico ao afirmar que
esta existe enquanto projeto; não obstante, no processo sócio-político, tal
racionalidade é a de uma classe – perdendo, assim, o caráter de universalidade –
que, por não atender à eminência universal da razão, desencadeia outras formas
de racionalidade (como exemplo, racionalidade do movimento negro, do movimento
LGBT, do movimento operário, entre outras formas de se pensar o mundo a partir
de uma perspectiva de grupos sociais). A “imposição” das racionalidades das
classes dominadas – aqui, tal conceito apresenta-se à época de Weber, ou seja, representa
as classes não-burguesas – dá-se, historicamente, por meio de ferramentas de
lutas como greves e movimentos sociais; elas imprimem a sua força na tentativa
de reproduzir seu modo de pensar. Se, de um lado, o sentimento de uma
comunidade de interesses estimula ações comuns e unificadas em defesa dos
interesses de classe ou de grupo social, do outro, tem-se o apoio à forma
positivada, uma vez que é um instrumento extremamente útil para a classe que
domina: é uma espécie de escudo contra os conflitos existentes na sociedade. Em
suma, esse sentimento de justiça espontâneo se traduz em um direito material,
visto que não é universalizado.
Dando destaque a dois
tipos de racionalidade para a futura análise em conjunto ao julgado da Vara do
Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales, tem-se a formal e a
material. A racionalidade formal assemelha-se muito ao direito hegeliano – aquilo
que existe na forma (essência do projeto burguês) – por possuir “caráter
calculável das ações e seus efeitos”. Já a segunda, não se encontra puramente
em uma perspectiva racional: valores, exigências éticas, entre outros, são
considerados; vai além da perspectiva marxista justamente por não se tratar
apenas de uma classe. Imperioso destacar que qualquer que seja a racionalidade,
esta sempre terá limite – seja no direito, na economia, etc.
No campo do Direito,
é passível considerá-lo como ferramenta de condutas esperadas ligadas à normatividade,
o que acaba por criar a possibilidade de cálculo (em relações comerciais, por
exemplo). A ideia de direito natural, para Max Weber, consiste em um elemento
mobilizável a fim de mudar a sociedade; todavia, não permanece como o princípio
norteador – espontaneamente, tal direito origina disposições materiais: a
dinâmica da realidade possui uma forte conotação de uma normatividade material.
A importância de se saber o grupo social
dominante, na perspectiva weberiana, está entrelaçada com o conhecimento acerca
do rumo da sociedade: quem domina consegue mobilizar o direito e suas
instituições, imprimindo, assim, os elementos de sua racionalidade. A dinâmica
revolucionária contra a ordem legitima a criação de um novo direito, além de
mobilizar o direito natural formal que resulta em uma dinâmica material;
cria-se, assim, uma dialética permanente.
Após uma breve
análise acerca do pensamento weberiano quanto à racionalidade e o direito, é
possível pensar o caso julgado da semana: uma demanda em que a parte-autora
pleiteia a realização de cirurgia de transgenitalização e alteração do registro
civil, para constar novo nome e modificação do sexo masculino para o sexo
feminino. Ainda que jurisprudência brasileira acolha os três pedidos, o debate
é mais denso e delicado: preconceito, configuração como “patologia”, garantia
de direitos, sofrimento decorrente do sentimento de inadequação à sociedade. É
fato que a sociedade guia-se de maneira tecnológica e quadrada, em que todos os
indivíduos que a compõe estão sujeitos a processos e imposições para permanecerem
no modelo padrão, traduzindo, até mesmo, em privação de direitos. A capa
patológica – tão defendida por uns – deve ceder lugar à aceitação e compreensão
do transexualismo como um modo de ser e de viver.
No caso específico
normativo, é necessário destacar, como apontado pelo juiz da ação, Fernando
Antônio de Lima, que “o direito à identidade configura um direito fundamental,
mas também um direito humano”. É feliz ao lembrar, ainda, que a própria
Constituição Federal regula o pluralismo como fundamento do Estado Democrático
de Direito, havendo a necessidade de reconhecimento de todas as formas de
viver. Com a decisão favorável, firmou-se a racionalidade material, humanizando
o campo formal e engessado das normas.
Isabelle Elias Franco de Almeida
1˚ ano, direito
(noturno) – aula 1.2
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