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domingo, 18 de outubro de 2015

O Direito é universal?

Weber distingue da seguinte forma as racionalidades: racionalidade formal expressa um caráter calculável, relaciona-se ao Direito e ao seu preceito normativo; por sua vez, a racionalidade material não é puramente racional, haja vista seu condicionamento por uma classe, por uma cor, por uma ideologia própria hegemônica, tendendo à irracionalidade. A dicotomia entre as racionalidades weberianas é nítida em recentes casos que se popularizaram na mídia, por exemplo, os relacionados ao reconhecimento de direitos dos transexuais.Isso levanta questionamentos já abordados por Weber: o direito natural formal, expressão da universalidade da liberdade é uma utopia? O direito é puro, neutro ou é condicionado pela relações hegemonias materiais?

Ademais, em relação à calculabilidade do Direito, em conformidade com a perspectiva weberiana, pode-se compreender que essas expectativas do âmbito jurídico são guiadas por influências hegemônicas, aos padrões da classe dominante. Dentro dessa óptica, o “outro", o diferente é relegado a uma segunda plano, daí pode-se inferir a concepção da transexualidade como patologia. Nessa perspectiva, os anseios, as necessidades desse grupo são ignorados, como por exemplo a cirurgia de mudança de sexo, a alteração do prenome no registro civil,etc. Essa concepção reitera a falsa universalidade do Direito e comprova sua materialidade, sua especificidade, sua não-universalidade, ou seja, as questões jurídicas aproximam-se, contrariamente, da irracionalidade, do oposto ao que se afirmava ser; mostrando que essa pureza do Direito é um “escudo” utilizado pelas classes que o monopolizam para garantir seus privilégios. Acrescenta-se que essa calculabilidade rompe com os preceitos passionais, de pessoalidade até de transcendentalidade, que baseavam-se na confiança e lealdade; o que o que é no mínimo triste, culminando na individualidade,no preconceito, tão comuns nos dias atuais.

Todavia, hoje, especificamente no que concerne às demandas dos transexuais, a doutrina e a jurisprudência tem se mostrado mais flexíveis. Por exemplo, alguns magistrados, distanciando-se do senso comum, conseguem perceber que os pedidos recorrentes desse grupo, como a cirurgia de mudança de sexo, a alteração do prenome nos registros civis, bem como do gênero sexual são necessidades de indivíduos que não se adequam psicologicamente ao seu sexo biológico. Além de sofrer por essa rejeição perante o seu próprio corpo, o transexual sofre com os preconceitos de uma sociedade dominada pela heterossexualidade, responsável por provocar uma  “patologização,” uma “ pisquiatrização” dos transexuais, apenas por serem diferentes do “padrão” imposto. Nesse ínterim, fica exposta a importância do Direito em reconhecer as reinvindicações desse grupo, bem como a relevância em respeitar os direitos humanos e fundamentais, como o direito à igualdade, à dignidade humana, à intimidade, à liberdade; para que finalmente, o transexual, o “diferente”, de maneira geral, pare de ser tratado como doente, mostrando que muito dos seus sofrimentos e angústias são resultado de uma sociedade padronizada que impõe sua hierarquização. Conceber o transexualismo como patologia  é uma criação artificial, por seres que não sabem reconhecer e respeitar o diferente ,é resultado de sua falsa compreensão da universalidade do Direito, que, materialmente é dominado por  concepções políticas, éticas, sexuais que acabam eliminado ou subjugando aquele que não se adequa a elas. Trasexualismo não é uma patologia, é um modo de viver.

Quando Weber define a racionalidade do Direito, ele a apresenta como um tipo ideal, ou seja,  as decisões jurídicas devem ser a aplicação de uma disposição abstrata ao fato concreto. Será que na realidade, o Direito possui era pureza, essa neutralidade? Hoje, percebemos que esse tipo-ideal weberiano é corrompido por uma materialidade e utilitarismo, isto é, ele é impregnado de valores, éticos, morais, raciais e até de gênero. Em relação a essa última questão, é válido questionar se o fato de ainda estarmos discutindo se cirurgia de mudança de sexo para transexuais, bem como a alteração de seu prenome e de seu gênero nos registros públicos é legítima e deve ser garantia pelos órgãos públicos não representa algo que já deveria estar superado? As demandas dos transexuais, dos homossexuais,  dos hermafroditas não deveriam  ter sido  atendidas há muito tempo como a dos heterossexuais? As respostas são óbvias, e, esse anacronismo em atender os anseios da minoria como um todo, é, infelizmente, resultado de uma dominação material do Direito, que dialoga com a irracionalidade, conforme outrora Weber apontava.

O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil. Também é certo que existe uma ação mundial para retirar do rol das enfermidades (CIDs) da Organização Mundial de Saúde (OMS) o transexualismo. Existe, inclusive, uma campanha “Parem de patologizar o trans (“Stop Trans  Patologization”) Além disso, reconhece-se que o transexual é portador do direito fundamental à identidade, do que se extrai a possibilidade de realização de cirurgia de mudança de sexo, alteração do prenome e à identidade de gênero. Trata-se de direito fundamental implícito, derivado do direito fundamental expresso de liberdade, igualdade, privacidade, intimidade e dignidade da pessoa humana. Ademais, isso é corroborado pelo fato  de o pluralismo constituir fundamento do Estado Democrático de Direito. Percebemos,portanto, iniciativas de mudar essa concepção jurídica e social sobre os transexuais, há dispositivos na nossa constituição que preveem isso, inclusive. Porém, infelizmente, ainda luta-se contra a ideia de família hierarquizada, de um padrão imposto pela sociedade tecnológica que taxa de enfermidade aquilo que destoa de seus padrões vindos de uma “produção em série”; a humanização do Direito, a universalidade weberiana do Direito romperia com esses paradigmas.

É importante salientar que Weber ao discutir  a problemática em torno da racionalidade do Direito, faz ciência, reflexão, busca o que é e não o que deve ser; logo é um equívoco atribuir a Weber uma “formalidade burocrática “,haja vista que  ele não a cria, tampouco  a defende, apenas constata que a universalidade do Direito é uma expectativa, uma calculabilidade, um “tipo-ideal, porém não existe na concretude pelas influencias materiais( éticas, ideológicas, políticas, econômicas) e , paradoxalmente, culmina na irracionalidade.

Em suma, no terreno da cirurgia por mudança de sexo, da alteração do nome e registro civil da identidade sexual, no tocante aos transexuais, é preciso que o Estado garanta esse direito fundamental, por meio de ações estatais efetivas, respeitando os direitos fundamentais, o “trunfo contra a maioria”, aspirando a universalidade, tão cara a Weber.

Victória Afonso Pastori
1 º Ano- Noturno


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