Weber distingue da seguinte forma
as racionalidades: racionalidade formal expressa um caráter calculável,
relaciona-se ao Direito e ao seu preceito normativo; por sua vez, a
racionalidade material não é puramente racional, haja vista seu condicionamento
por uma classe, por uma cor, por uma ideologia própria hegemônica, tendendo à
irracionalidade. A dicotomia entre as racionalidades weberianas é nítida em
recentes casos que se popularizaram na mídia, por exemplo, os relacionados ao
reconhecimento de direitos dos transexuais.Isso levanta questionamentos já
abordados por Weber: o direito natural formal, expressão da universalidade da
liberdade é uma utopia? O direito é puro, neutro ou é condicionado pela
relações hegemonias materiais?
Ademais, em relação à calculabilidade do Direito, em
conformidade com a perspectiva weberiana, pode-se compreender que essas
expectativas do âmbito jurídico são guiadas por influências hegemônicas, aos
padrões da classe dominante. Dentro dessa óptica, o “outro", o diferente é
relegado a uma segunda plano, daí pode-se inferir a concepção da
transexualidade como patologia. Nessa perspectiva, os anseios, as necessidades
desse grupo são ignorados, como por exemplo a cirurgia de mudança de sexo, a
alteração do prenome no registro civil,etc. Essa concepção reitera a falsa
universalidade do Direito e comprova sua materialidade, sua especificidade, sua
não-universalidade, ou seja, as questões jurídicas aproximam-se,
contrariamente, da irracionalidade, do oposto ao que se afirmava ser; mostrando
que essa pureza do Direito é um “escudo” utilizado pelas classes que o
monopolizam para garantir seus privilégios. Acrescenta-se que essa
calculabilidade rompe com os preceitos passionais, de pessoalidade até de
transcendentalidade, que baseavam-se na confiança e lealdade; o que o que é no
mínimo triste, culminando na individualidade,no preconceito, tão comuns nos
dias atuais.
Todavia, hoje, especificamente no
que concerne às demandas dos transexuais, a doutrina e a jurisprudência tem se
mostrado mais flexíveis. Por exemplo, alguns magistrados, distanciando-se do
senso comum, conseguem perceber que os pedidos recorrentes desse grupo, como a
cirurgia de mudança de sexo, a alteração do prenome nos registros civis, bem
como do gênero sexual são necessidades de indivíduos que não se adequam
psicologicamente ao seu sexo biológico. Além de sofrer por essa rejeição
perante o seu próprio corpo, o transexual sofre com os preconceitos de uma
sociedade dominada pela heterossexualidade, responsável por provocar uma “patologização,” uma “ pisquiatrização” dos
transexuais, apenas por serem diferentes do “padrão” imposto. Nesse ínterim,
fica exposta a importância do Direito em reconhecer as reinvindicações desse
grupo, bem como a relevância em respeitar os direitos humanos e fundamentais,
como o direito à igualdade, à dignidade humana, à intimidade, à liberdade; para
que finalmente, o transexual, o “diferente”, de maneira geral, pare de ser
tratado como doente, mostrando que muito dos seus sofrimentos e angústias são
resultado de uma sociedade padronizada que impõe sua hierarquização. Conceber o
transexualismo como patologia é uma
criação artificial, por seres que não sabem reconhecer e respeitar o diferente ,é
resultado de sua falsa compreensão da universalidade do Direito, que,
materialmente é dominado por concepções políticas, éticas, sexuais que
acabam eliminado ou subjugando aquele que não se adequa a elas. Trasexualismo
não é uma patologia, é um modo de viver.
Quando Weber define a
racionalidade do Direito, ele a apresenta como um tipo ideal, ou seja, as decisões jurídicas devem ser a aplicação
de uma disposição abstrata ao fato concreto. Será que na realidade, o Direito
possui era pureza, essa neutralidade? Hoje, percebemos que esse tipo-ideal weberiano
é corrompido por uma materialidade e utilitarismo, isto é, ele é impregnado de
valores, éticos, morais, raciais e até de gênero. Em relação a essa última
questão, é válido questionar se o fato de ainda estarmos discutindo se cirurgia
de mudança de sexo para transexuais, bem como a alteração de seu prenome e de
seu gênero nos registros públicos é legítima e deve ser garantia pelos órgãos
públicos não representa algo que já deveria estar superado? As demandas dos
transexuais, dos homossexuais, dos hermafroditas
não deveriam ter sido atendidas há muito tempo como a dos
heterossexuais? As respostas são óbvias, e, esse anacronismo em atender os
anseios da minoria como um todo, é, infelizmente, resultado de uma dominação
material do Direito, que dialoga com a irracionalidade, conforme outrora Weber
apontava.
O art. 13 do Código Civil, ao
permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as
cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos
estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a consequente alteração do
prenome e do sexo no Registro Civil. Também é certo que existe uma ação mundial
para retirar do rol das enfermidades (CIDs) da Organização Mundial de Saúde
(OMS) o transexualismo. Existe, inclusive, uma campanha “Parem de patologizar o
trans (“Stop Trans Patologization”) Além
disso, reconhece-se que o transexual é portador do direito fundamental à
identidade, do que se extrai a possibilidade de realização de cirurgia de
mudança de sexo, alteração do prenome e à identidade de gênero. Trata-se de
direito fundamental implícito, derivado do direito fundamental expresso de
liberdade, igualdade, privacidade, intimidade e dignidade da pessoa humana.
Ademais, isso é corroborado pelo fato de
o pluralismo constituir fundamento do Estado Democrático de Direito. Percebemos,portanto,
iniciativas de mudar essa concepção jurídica e social sobre os transexuais, há dispositivos
na nossa constituição que preveem isso, inclusive. Porém, infelizmente, ainda
luta-se contra a ideia de família hierarquizada, de um padrão imposto pela
sociedade tecnológica que taxa de enfermidade aquilo que destoa de seus padrões
vindos de uma “produção em série”; a humanização do Direito, a universalidade
weberiana do Direito romperia com esses paradigmas.
É importante salientar que Weber
ao discutir a problemática em torno da
racionalidade do Direito, faz ciência, reflexão, busca o que é e não o que deve ser; logo
é um equívoco atribuir a Weber uma “formalidade burocrática “,haja vista
que ele não a cria, tampouco a defende, apenas constata que a
universalidade do Direito é uma expectativa, uma calculabilidade, um “tipo-ideal, porém não existe na concretude pelas influencias materiais( éticas,
ideológicas, políticas, econômicas) e , paradoxalmente, culmina na
irracionalidade.
Em suma, no terreno da cirurgia
por mudança de sexo, da alteração do nome e registro civil da identidade
sexual, no tocante aos transexuais, é preciso que o Estado garanta esse direito
fundamental, por meio de ações estatais efetivas, respeitando os direitos
fundamentais, o “trunfo contra a maioria”, aspirando a universalidade, tão cara
a Weber.
Victória Afonso Pastori
1 º Ano- Noturno
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