A Declaração Francesa e a Declaração Americana ambas resultantes de movimentos liberais, tratam dos direitos como algo
natural, inerente a todo ser humano, bastando, portanto a sua declaração. Com
efeito, os direitos ficavam restritos no âmbito formal, o sujeito de direito
genericamente concebido. A consecução dos fatos, no entanto, mostram que tais
direitos somente correspondiam à essa classe dominante. Assim, partindo de uma
perspectiva de análise weberiana da sociedade, poderia-se afirmar que estas declarações são obras de uma
sociedade forjada pela razão cujo direito seria um dos instrumentos da
racionalidade burguesa.
Não obstante, a teoria de Weber acerca da
racionalidade formal e da racionalidade material aponta a trajetória do direito
como sendo da formal para a material. De forma que essa racionalidade pura não
estaria presente na realidade de fato, pois a forma nunca vai ser universal. Em
verdade, conforme Weber constata a partir da análise da sociedade no final do
século XX: a razão que o direito carrega consigo, no capitalismo, é uma razão
material. Ela converge não com o geral, mas com o específico de cada grupo,
pois as outras classes da sociedade também tentam imprimir parte de sua
racionalidade. Configura uma espécie de dialética permanente do direito. Portanto, tal direito burguês
generalizável e calculável configura-se apenas como projeto pois aquilo que de
fato acontece difere dessa racionalidade formal.
Isso pode ser indentificado no processo de afirmação
histórica dos direitos humanos. Conforme percebeu-se a necessidade de se
repensar a igualdade, no sentido de aproximá-la cada vez mais da substantiva ou
material, emergiu um sistema de proteção
especial aos grupos socialmente vulneráveis. A partir disso, o sujeito de
direito seria concebido sob uma perspectiva de especificidades e
particularidades, enquanto sujeito dotado de cor, gênero, etnia, opção
sexual... Nesse sentido, tanto o âmbito internacional quanto o âmbito nacional
se empenhou em alcançar, afirmar e garantir a igualdade substancial. Corroborando
a ideia de que o Direito, enquanto tipo ideal, não consegue abrangir todos os
casos concretos, a forma nunca vai ser universal. Ainda que, por exemplo, se
alcance a igualdade substantiva no ocidente, o mesmo se dará no oriente?
Com efeito, o Brasil, além de ratificar os acordos
internacionais a respeito do tema, possui uma Constituição cidadã, a qual prevê,
por exemplo, em alguns dispositivos a possibilidade de ações afirmativas
voltadas para as mulheres, idosos, pessoas portadoras de deficiências,
afrodescendentes. Além disso, introduz elementos como a universalização da educação,
da saúde, entre outros. Nesse sentido, é adequado destacar a posição da
jurisprudência brasileira, sobretudo, no que diz respeito aos direitos dos
transexuais. Esta, desde 2009, de forma majoritária, tem admitido a mudança do prenome no registro após a cirurgia de transgenitalização
a despeito da previsão do art.58 da Lei de registros: O prenome será definitivo, admitindo-se,
todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios. Mostrando que,
na realidade, o confronto permanente entre direito positivado(forma) e a
justiça espontânea é o que acaba determinando o sentido da dinâmica social.
As análises e pareceres de
psicólogos e psiquiatras dizem que tais individuos apresentam uma incompatibilidade entre o
sexo biológico e a identidade psíquica, situação que enseja dores psicológicas
e sofrimentos mentais e por isso apontam a necessidade da realização da
cirurgia. Nesse interim, é de suma
importância destacar que não se trata de uma patologia. Já que, em verdade, o
que causa muito sofrimento a essas pessoas é o preconceito que sofrem de uma
sociedade permeada por certos padrões, a qual acaba forjando a inserção dos
mesmos no âmbito patológico para “retirar de cena os incômodos, as diferenças,
as não repetições”. O que pressupõe a privação de direitos. Contudo, não é nem
um pouco justo que tal grupo “dominante” estabeleça uma forma e diga “que seja
assim”. É algo que não condiz com a realidade, uma vez que, na sociedade
concreta encontram-se diversas formas de racionalidades (racionalidade do movimento do movimento operário, do
movimento LGBT, do movimento negro... ).
Por
isso que, diante disso, é fundamental se afirmar a racionalidade material, no
sentido de conferir ao grupo dos transexuais o direito à identidade, a partir
da aplicação, sobretudo, de princípios. Os quais, conforme uma compreensão
moderna, podem ser aplicados diretamente, ou seja, sem ser intermediado por uma
regra. Com efeito, o princípio da dignidade da pessoa humana além de ser dotado
de uma eficácia positiva é um conceito jurídico operativo, atuando, sobretudo,
em situações não tipificadas pelo direito, em grandes questões de direitos
humanos. Com efeito, a CF/88, essencialmente principiológica, confere abertura
a isso. Nesse sentido, conforme afirma o julgado, o Estado estaria incorrendo
em odiosa omissão inconstitucional se o mesmo não fornecesse os meios
necessários para atender às demandas da parte-autora. Isso corrobora a constação
de Weber de que o direito particulariza-se frente à dinâmica social.
Yasmin Commar Curia
Direito- Noturno
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