A obra Economia e
Sociedade, de Max Weber, trata sobre os tipos de racionalidade que o autor
identifica presente em nossa sociedade, a racionalidade formal e a material. No
âmbito da racionalidade material, podemos tentar defini-la como sendo um tipo
de razão construída em torno de valores intrínsecos a determinada classe
social. Já no caso da racionalidade formal, seria uma razão
"universal", uma razão que engloba todos os seres sociais como sendo iguais,
padronizados.
Seguindo às definições de Weber, temos o caso ocorrido em
Jales que é capaz de evidenciar toda a contemporaneidade das ideias do autor.
No julgado, a parte-autora, uma mulher, com características físicas masculinas,
entra com ação para conseguir a cirurgia da mudança de sexo, a alteração de
nome e de gênero sexual, que deveriam ser realizadas pelo Estado.
O juiz do caso argumenta em duas perspectivas: a normativa e
a social. Através da norma, afirma que é de direito da mulher que seja
realizados todos esses procedimentos, isto porque na Constituição Federal, a
lei máxima do país, se encontram diversos valores, regentes de todo o ordenamento
jurídico brasileiro, como a dignidade da pessoa humana e o direito à
personalidade. Além disso, a jurisprudência brasileira já tinha se mostrado
favorável à esses requerimentos antes. No âmbito social, o juiz mostra todo o
dano psicológico que o preconceito decorrente do meio social trazia e poderia
trazer, ainda mais, à mulher.
A relação entre Weber e o caso vêm a tona na medida em que um
sistema econômico impõe uma padronização a todo meio social. A padronização da
vida, da família, da sexualidade demoniza todo e qualquer "diferente".
A mulher transexual é apenas mais uma vítima dessa racionalidade material que
imprime os valores da chamada classe burguesa dominante, desprezando e
maltratando o que destoa do padrão burguês. Vítima também da racionalidade
formal, que traz para o âmbito jurídico e exterior da sociedade a ideia de que
todas as pessoas são iguais, sendo que não, não são iguais. Há diversos grupos
e camadas sociais que vivem marginalizadas e esquecidas em nosso meio,
impregnadas pelo preconceito e pelo ódio irrestrito. Isso é ainda mais evidenciado
no momento em que o Conselho Federal de Medicina, um órgão cujo objetivo é
zelar pela profissão que salva vidas, trata a transsexualidade como uma
patologia e não como uma simples vontade da pessoa ser o que ela realmente é.
Através de toda essa sincera argumentação e da utilização de
que, apesar de vários direitos fundamentais não estarem expressos na CF, nem
por isso eles deixam de estar presentes em nosso ordenamento, o juiz conseguiu
que a mulher obtivesse seus desejos realizados e que, finalmente, desse o
primeiro passo para uma vida digna.
Fernando Augusto Risso - Direito diurno
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