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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O (des)caso do Pinheirinho: inconsistência jurídica e os filósofos dialéticos


               O Direito é liberdade ou importante instrumento de dominação social? Para Hegel, o direito é o império da liberdade realizada, baseado na vontade livre de cada um, formado pelo espírito em geral e pressuposto da felicidade. Marx critica a visão hegeliana, desqualificando seu idealismo, classificando o Estado moderno do autor como abstração. Associa a filosofia de Hegel à religião, as tratando como ilusórias por preencherem as insuficiências da realidade com especulações acerca da natureza dos objetos considerados. Apesar de utilizar o método da dialética do mestre, Marx o adapta ao historicismo: a história seria uma constante dialética da luta de classes entre as forças produtivas, sendo o direito instrumento de dominação social. As duas visões são passíveis de críticas devido à eterna dificuldade em definir a total essência do Direito. Porém, ambas gozam de elevado prestígio entre seus admiradores.
                Enquanto para o primeiro autor, o Direito deve ser capaz de atender às necessidades gerais por reunir as vontades particulares e superá-las de forma satisfatória na figura da lei, o segundo enxerga a práxis como caminho para que a realidade possa compelir o pensamento. Tais ideias ressoam na lei brasileira, não de forma igual, mas em constante debate. O caso do Pinheirinho, por exemplo, envolve questões hermenêuticas quanto às leis sobre as quais as partes postularam. Há o reconhecimento da validade das normas constitucionais que preveem o direito à moradia, reivindicado pelos sem-teto e também do direito de propriedade exigido pela empresa Selecta S/A. O valor de cada lei seria o mesmo, não devendo haver o sacrifício de um direito pelo outro. Esse foi um dos argumentos de um dos juízes do caso em sua decisão para conceder a ordem de reintegração de posse do terreno ocupado à empresa. O magistrado criticou a inércia dos meios de administração pública em resolver o problema da falta de moradias e justificou que o direito de propriedade do grupo de Naji Nahas deveria ser respeitado.
                A sentença poderia soar impecável. Porém, na observação das leis, o jurista deve considerar o fator humano e as consequências que causará. Lida-se com a vida de milhares de pessoas no referido acórdão. As circunstâncias do caso não devem ser ignoradas. A lide caracterizava-se pelo conflito de pretensões entre o autor, de recuperar suas terras, e a outra parte, representando milhares de famílias, de ali permanecer, sob a justificativa de estar cumprindo o fim social daquelas. O magistrado está correto em ressaltar que a decisão deve restringir-se quanto à natureza do pedido, mas havia urgência em garantir o direito de propriedade da empresa a partir da reintegração de posse? A união e outros tentaram ingressar no processo como parte para dar um fim digno à questão. Todos os pedidos foram indeferidos. Porém, mesmo com as ideias de vários entes simpatizantes aos moradores do Pinheirinho permanecendo como apenas boas intenções, não havia razão para reintegrar o terreno imediatamente. O pedido da liminar poderia ser negado, considerando o impacto humano, dando-se continuidade ao debate.
Não foi apresentado um motivo forte que justificasse a remoção imediata das famílias moradoras do local para abrigos improvisados, mesmo que recebessem um auxílio aluguel. Algumas questões são primordiais, como: o terreno cumpria sua função social ou estava abandonado? A empresa se encontrava em estado falimentar, supostamente devendo milhões à prefeitura da cidade de São José dos Campos. Portanto, poderia haver uma desapropriação do terreno por já se encontrar ocupado, bem utilizado por habitantes abandonados pelo Estado? Cabendo, claro, abatimento da dívida e indenização. Afinal, há de se considerar os interesses dos acionistas da Selecta S/A. Ou, em outro possível cenário, poderia haver o indeferimento da liminar e a busca por algumas soluções para o problema da moradia, evitando uma ação desnecessária e violenta, criticada por órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos.
Sabe-se que a comunidade de Pinheirinho será abrangida pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Milhares de famílias irão morar nas unidades habitacionais em construção. Vislumbra-se um final feliz. Mas o caminho precisava ser tão pedregoso? Cercado por violência? A decisão da justiça foi precipitada. O papel do Estado e seus poderes em casos semelhantes devem aliar a práxis à teoria presente na lei. As conquistas positivadas dos direitos humanos não podem ser esquecidas, desrespeitando a dignidade da pessoa humana e perpetuando injustiças. Escolher entre dois direitos fundamentais é um dilema. Olvidar-se deles é cruel.
                 




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