O Direito é liberdade ou
importante instrumento de dominação social? Para Hegel, o direito é o império
da liberdade realizada, baseado na vontade livre de cada um, formado pelo
espírito em geral e pressuposto da felicidade. Marx critica a visão hegeliana,
desqualificando seu idealismo, classificando o Estado moderno do autor como
abstração. Associa a filosofia de Hegel à religião, as tratando como ilusórias
por preencherem as insuficiências da realidade com especulações acerca da
natureza dos objetos considerados. Apesar de utilizar o método da dialética do
mestre, Marx o adapta ao historicismo: a história seria uma constante dialética
da luta de classes entre as forças produtivas, sendo o direito instrumento de
dominação social. As duas visões são passíveis de críticas devido à eterna
dificuldade em definir a total essência do Direito. Porém, ambas gozam de
elevado prestígio entre seus admiradores.
Enquanto
para o primeiro autor, o Direito deve ser capaz de atender às necessidades
gerais por reunir as vontades particulares e superá-las de forma satisfatória
na figura da lei, o segundo enxerga a práxis como caminho para que a realidade
possa compelir o pensamento. Tais ideias ressoam na lei brasileira, não de
forma igual, mas em constante debate. O caso do Pinheirinho, por exemplo,
envolve questões hermenêuticas quanto às leis sobre as quais as partes postularam.
Há o reconhecimento da validade das normas constitucionais que preveem o
direito à moradia, reivindicado pelos sem-teto e também do direito de
propriedade exigido pela empresa Selecta S/A. O valor de cada lei seria o mesmo,
não devendo haver o sacrifício de um direito pelo outro. Esse foi um dos
argumentos de um dos juízes do caso em sua decisão para conceder a ordem de
reintegração de posse do terreno ocupado à empresa. O magistrado criticou a
inércia dos meios de administração pública em resolver o problema da falta de
moradias e justificou que o direito de propriedade do grupo de Naji Nahas deveria
ser respeitado.
A
sentença poderia soar impecável. Porém, na observação das leis, o jurista deve
considerar o fator humano e as consequências que causará. Lida-se com a vida de
milhares de pessoas no referido acórdão. As circunstâncias do caso não devem
ser ignoradas. A lide caracterizava-se pelo conflito de pretensões entre o autor,
de recuperar suas terras, e a outra parte, representando milhares de famílias,
de ali permanecer, sob a justificativa de estar cumprindo o fim social
daquelas. O magistrado está correto em ressaltar que a decisão deve
restringir-se quanto à natureza do pedido, mas havia urgência em garantir o
direito de propriedade da empresa a partir da reintegração de posse? A união e
outros tentaram ingressar no processo como parte para dar um fim digno à questão.
Todos os pedidos foram indeferidos. Porém, mesmo com as ideias de vários entes
simpatizantes aos moradores do Pinheirinho permanecendo como apenas boas
intenções, não havia razão para reintegrar o terreno imediatamente. O pedido da
liminar poderia ser negado, considerando o impacto humano, dando-se
continuidade ao debate.
Não foi
apresentado um motivo forte que justificasse a remoção imediata das famílias
moradoras do local para abrigos improvisados, mesmo que recebessem um auxílio
aluguel. Algumas questões são primordiais, como: o terreno cumpria sua função
social ou estava abandonado? A empresa se encontrava em estado falimentar, supostamente
devendo milhões à prefeitura da cidade de São José dos Campos. Portanto, poderia
haver uma desapropriação do terreno por já se encontrar ocupado, bem utilizado
por habitantes abandonados pelo Estado? Cabendo, claro, abatimento da dívida e
indenização. Afinal, há de se considerar os interesses dos acionistas da
Selecta S/A. Ou, em outro possível cenário, poderia haver o indeferimento da
liminar e a busca por algumas soluções para o problema da moradia, evitando uma
ação desnecessária e violenta, criticada por órgãos internacionais de defesa
dos direitos humanos.
Sabe-se que a
comunidade de Pinheirinho será abrangida pelo programa Minha Casa, Minha Vida.
Milhares de famílias irão morar nas unidades habitacionais em construção.
Vislumbra-se um final feliz. Mas o caminho precisava ser tão pedregoso? Cercado
por violência? A decisão da justiça foi precipitada. O papel do Estado e seus
poderes em casos semelhantes devem aliar a práxis à teoria presente na lei. As
conquistas positivadas dos direitos humanos não podem ser esquecidas,
desrespeitando a dignidade da pessoa humana e perpetuando injustiças. Escolher
entre dois direitos fundamentais é um dilema. Olvidar-se deles é cruel.
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