NO BRASIL O NEGRO NÃO VIVE, ELE SOBREVIVE
Pode-se
indagar que Descartes e Bacon ficariam abatidos ao se depararem com as questões
sociais vigentes no Brasil. Esses filósofos modernos foram uns dos responsáveis
pela formulação da ciência moderna, sendo, inclusive, os autores que
inauguraram o método científico moderno. Uma das grandes preocupações de ambos
era alcançar a superação de uma forma de conhecimento meramente contemplativa e
atingir, por meio da ciência, uma transformação social. Eles desejavam criar
uma ciência cujo conhecimento fosse ativo, e pudesse contribuir para aliviar e
melhorar a condição humana. Contudo, é perceptível que o método científico
aplicado no Brasil tem sido falho e insuficiente para aparar inúmeras questões
sociais.
O
Brasil configura-se como um país patriarcal, racista e desigual. Ao analisar a
questão ético-racial no territorial nacional torna-se evidente como os negros
sofrem discriminação, preconceitos e marginalização. São indivíduos que não
possuem seus direitos plenamente reconhecidos. E enquanto isso, muitos insistem
em dizer que o Brasil é um país democrático e que não existe racismo no país.
Não seria esse pensamento um dos ídolos da mente de alguns, assim como
mencionava Bacon? No qual se antecipam ao que é real e racional e criam
especulações irreais sobre o mundo? Pois, se vivemos em um país onde 75,5% das
pessoas assassinadas são pretas ou pardas, é quase que indiscutível a questão
da não existência de bases democráticas no país e a presença do preconceito
racial.
Abraham
Lincoln, ex-presidente dos Estados Unidos da América declarava que a democracia
é o governo do povo, pelo povo e para o povo. No entanto, lastimavelmente, não
é isso que se percebe no território brasileiro, uma vez que um contingente
extremamente considerável de indivíduos está desprovido de seus direitos. A
população negra brasileira, por exemplo, precisa preparar-se diariamente para
um combate. Um combate contra a abordagem policial, um combate contra a
diferença na oportunidade de empregos, um combate em como a pobreza se reproduz
entre eles, um combate na desigualdade de acesso à justiça, um combate de dificuldades
no ingresso ao ensino superior. Enfim, um combate de sobrevivência diária. O
negro no Brasil não vive, ele sobrevive.
Quando
a abolição da escravidão ocorreu no Brasil, os negros foram literalmente
colocados na periferia da sociedade, a abolição não inseriu o negro na
estrutura social do país. Uma pessoa negra não possui as mesmas condições e
oportunidades que as brancas possuem. O racismo foi e é vergonhosamente
ignorado por muitos na nação brasileira. Somente em 1988, depois de exatamente
um século da abolição, a Constituição nacional determinou o preconceito e
discriminação racial como crime inafiançável e imprescritível. Porém, mesmo
positivada, a lei quase sempre não é posta em prática.
E
é exatamente por um indivíduo negro não possuir as mesmas condições e
oportunidades que os brancos, que as políticas de ações afirmativas se tornam
extremamente relevantes no país. O antropólogo e professor brasileiro-congolês
Kabengele Munanga, por exemplo, sustenta a necessidade de implementar políticas
de ações afirmativas no Brasil, como as cotas raciais, e menciona que estas
seriam medidas compensatórias e que tentariam atenuar as desigualdades sociais
do Brasil. É evidente que o Brasil possui uma injustiça social que não foi
superada até hoje. Se as desigualdades raciais tivessem sido superadas no
território nacional, certamente as conclusões sobre a utilização das cotas
raciais seriam outras.
Portanto,
a revisão da Lei de Cotas ocorrerá no país por que possuímos um método
científico concreto e eficiente para buscar medidas alternativas de aumentar os
indivíduos negros na universidade, seja esse método moldado pelos parâmetros
cartesianos, seja ele embasado em prerrogativas baconianas, ou por que
possuímos uma elite branca que não suporta perder seus privilégios? Não é
irônico que um grupo majoritariamente branco esteja presente para realizar essa
revisão da Lei de Cotas no país?
Certamente,
essa revisão deve seguir os pressupostos de Bacon e Descartes, fazendo a
inclusão de avaliações regulares por meio de dados quantitativos e aspectos
qualitativos. Sobre o método cartesiano, pode-se utilizar das prerrogativas de
questionamento, pois, assim como menciona o autor, questionar algo é o primeiro
passo para atingir o conhecimento, e, portanto, alcançar transformações
sociais. Assim, deve-se interpelar: o Brasil superou o racismo existente e a
população negra não sofre mais desigualdades? Se a resposta for sim, certamente
as cotas raciais não possuem fundamentos. Mas, como a resposta é,
lastimavelmente, não, as cotas raciais são mecanismos importantes de inclusão
dos negros em um dos vários ambientes em que estão excluídos, e devem
permanecer no país. Em relação ao uso do
Novo Organum, ou seja, o novo método proposto por Bacon para se atingir bases
sólidas e reais de conhecimentos, faz-se necessário o uso do chamado por ele de
“Interpretações do mundo”. Esse método consiste em investigar e trazer
elementos da concretude para sustentar uma dedução. Por exemplo, ao analisar
dados, números e estatísticas podemos perceber que os negros são hoje no Brasil o grupo étnico-racial
mais pobre e com menor nível de escolaridade. Também são os que mais morrem
assassinados e são as maiores vítimas da violência policial.
Portando, seguindo as atribuições dos grandes
autores que inauguraram a ciência moderna, pode-se afirmar que não
se justifica do ponto de vista racional a realização de qualquer distinção
entre pessoas, porém, justifica-se do ponto de vista histórico e experimental
brasileiro. Em outras palavras, a política de cotas raciais não significa
indagar que os indivíduos negros são menos capazes do que brancos e sim que é
extremamente covarde colocar duas pessoas com bases educacionais extremamente
gritantes para concorrer igualmente. É como em uma maratona olímpica, seria
completamente fora das normas colocar os competidores para disputarem saindo de
linhas de largada diferentes.
Tem meu voto, parabéns!
ResponderExcluirTexto incrível! Adorei!
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