Eu sempre vivi do mesmo jeito. Jeito da classe média. Frequentei escolas particulares, shoppings, restaurantes e eventos que continham o mesmo tipo de gente. Até que eu entrei na universidade pública. Deparei-me com uma diversidade étnica que eu nunca tinha visto, posso dizer que foi um choque, mas de uma boa forma. Entretanto, isso me trouxe uma certa inquietação
Era uma terça-feira comum na minha vida universitária, estava voltando para casa após a aula enquanto ouvia músicas no modo aleatório. O ritmo de “Cota Não É Esmola” da Bia Ferreira invadiu minha cabeça e ali se instalou, criou raízes e até hoje me faz pensar. Cotas. Sempre ouvi falar delas, tanto bem quanto mal, alguns diziam ser justo e parte de um pagamento da dívida histórica que nós, brancos, temos com os negros. Já outros, chamavam de esmola, alegando ser algo injusto que dá privilégios, visto que se estudassem o suficiente, conseguiriam a tão sonhada vaga na universidade.
Depois disso, durante semanas, passei a recordar-me das minhas vivências. Nas escolas que frequentei, a equação era a mesma, quanto maior a mensalidade, menor a quantidade de alunos negros. Durante toda a minha vida escolar, deparei-me uma única vez com um professor negro - a quem sou muito grata por ser o martelo que destruiu diversos preconceitos que eu tinha e por formar a pessoa que sou hoje. Sempre vi pessoas negras no meu cotidiano, mas quase sempre em posições que os brancos nunca ocupariam.
Apenas depois de uma conversa com a Gabi - uma grande amiga que fiz na faculdade -, meus olhos se chocaram com a realidade. Ela me contou sua história, suas dificuldades sendo, segundo ela, uma mulher preta, pobre e periférica e como as cotas a auxiliaram a romper com o padrão de sua família, na qual ninguém tinha o Ensino Fundamental completo. Para Gabi, o estudo sempre foi um luxo. Fugir de balas “perdidas” que tinham um alvo certo, trabalhar para ajudar com o sustento da casa, o ensino precário das escolas públicas e suas próprias condições de moradia não tornavam tal ato uma tarefa fácil.
Automaticamente, minha lembrança conduziu-me a uma aula de filosofia que tivera no Ensino Médio. Ciência e conhecimento segundo as perspectivas de Descartes e Bacon. Ambos autores concordam que a ciência tem o trabalho de transformar a humanidade, entretanto, discordam de como alcançar esse conhecimento científico. Descartes usa o raciocínio, o tão conhecido “Eu penso, logo existo”, já Bacon parte da experiência e do empírico, afirmando que “Saber é poder”. Na época não compreendi muito bem o que isso significava, mas agora eu entendo como isso se aplica na realidade. Se não existisse as cotas, a população negra, devido a todas as condições impostas à ela, não teria acesso às universidades e, portanto, não teria contato com o conhecimento científico. Sendo assim, por essa análise, elas não existiriam como seres humanos legítimos, já que estariam distantes do pensar acadêmico consagrado na sociedade atual, e muito menos teriam poder, visto que o saber às seria negligenciado.
Então percebi, durante toda essa jornada de memórias e conversas, que a Gabriela não é um caso isolado. Nós, brasileiros, somos uma sociedade estruturada no racismo, na segregação, na supremacia branca e, principalmente, no genocídio étnico. Quando mais de 50% da população é negra ou parda e, ainda sim, estes estão em minoria nas universidades, o mínimo esperado é indignação. Urge a necessidade de políticas públicas de equidade, mas não somente isso. Perante ao racismo sistêmico, a sociedade toda precisa se aliar ao movimento negro, que já alcançou diversas conquistas e direitos, mas sabemos que isso ainda não é o suficiente. Não quando são segregados. Não quando são expulsos de lugares. Não quando são mortos diariamente. Educação é resistência, é o que permite a transformação.
Era uma terça-feira comum na minha vida universitária, estava voltando para casa após a aula enquanto ouvia músicas no modo aleatório. O ritmo de “Cota Não É Esmola” da Bia Ferreira invadiu minha cabeça e ali se instalou, criou raízes e até hoje me faz pensar. Cotas. Sempre ouvi falar delas, tanto bem quanto mal, alguns diziam ser justo e parte de um pagamento da dívida histórica que nós, brancos, temos com os negros. Já outros, chamavam de esmola, alegando ser algo injusto que dá privilégios, visto que se estudassem o suficiente, conseguiriam a tão sonhada vaga na universidade.
Depois disso, durante semanas, passei a recordar-me das minhas vivências. Nas escolas que frequentei, a equação era a mesma, quanto maior a mensalidade, menor a quantidade de alunos negros. Durante toda a minha vida escolar, deparei-me uma única vez com um professor negro - a quem sou muito grata por ser o martelo que destruiu diversos preconceitos que eu tinha e por formar a pessoa que sou hoje. Sempre vi pessoas negras no meu cotidiano, mas quase sempre em posições que os brancos nunca ocupariam.
Apenas depois de uma conversa com a Gabi - uma grande amiga que fiz na faculdade -, meus olhos se chocaram com a realidade. Ela me contou sua história, suas dificuldades sendo, segundo ela, uma mulher preta, pobre e periférica e como as cotas a auxiliaram a romper com o padrão de sua família, na qual ninguém tinha o Ensino Fundamental completo. Para Gabi, o estudo sempre foi um luxo. Fugir de balas “perdidas” que tinham um alvo certo, trabalhar para ajudar com o sustento da casa, o ensino precário das escolas públicas e suas próprias condições de moradia não tornavam tal ato uma tarefa fácil.
Automaticamente, minha lembrança conduziu-me a uma aula de filosofia que tivera no Ensino Médio. Ciência e conhecimento segundo as perspectivas de Descartes e Bacon. Ambos autores concordam que a ciência tem o trabalho de transformar a humanidade, entretanto, discordam de como alcançar esse conhecimento científico. Descartes usa o raciocínio, o tão conhecido “Eu penso, logo existo”, já Bacon parte da experiência e do empírico, afirmando que “Saber é poder”. Na época não compreendi muito bem o que isso significava, mas agora eu entendo como isso se aplica na realidade. Se não existisse as cotas, a população negra, devido a todas as condições impostas à ela, não teria acesso às universidades e, portanto, não teria contato com o conhecimento científico. Sendo assim, por essa análise, elas não existiriam como seres humanos legítimos, já que estariam distantes do pensar acadêmico consagrado na sociedade atual, e muito menos teriam poder, visto que o saber às seria negligenciado.
Então percebi, durante toda essa jornada de memórias e conversas, que a Gabriela não é um caso isolado. Nós, brasileiros, somos uma sociedade estruturada no racismo, na segregação, na supremacia branca e, principalmente, no genocídio étnico. Quando mais de 50% da população é negra ou parda e, ainda sim, estes estão em minoria nas universidades, o mínimo esperado é indignação. Urge a necessidade de políticas públicas de equidade, mas não somente isso. Perante ao racismo sistêmico, a sociedade toda precisa se aliar ao movimento negro, que já alcançou diversas conquistas e direitos, mas sabemos que isso ainda não é o suficiente. Não quando são segregados. Não quando são expulsos de lugares. Não quando são mortos diariamente. Educação é resistência, é o que permite a transformação.
Larissa de Sá Hisnauer - 1º semestre - Diurno
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