A Idade Moderna estava em seu início, e a sociedade europeia não estava satisfeita só com o que já tinha - os europeus queriam conquistar mais, e a economia foi o grande impulso para que começassem o que hoje é chamado de expansão marítima. Portugal, na época uma monarquia, foi uma das pioneiras dessa expansão e teve como resultado o que é chamado por grande parte das pessoas “O descobrimento do Brasil”. Apesar de parecer glorioso, o que é considerado o nascimento da nação brasileira não é uma história que se iguala com as épicas, muito pelo contrário: é composta por acontecimentos dignos de um filme de terror, e não dispõe de nenhum heroísmo. O processo de colonização, como é de sua natureza, foi bruto e opressivo: os povos nativos foram vítimas de escravidão e genocídio, tanto de suas vidas como de suas culturas. Não sendo isso o suficiente para a exploração desse território, Portugal começou a traficar escravos nativos do continente africano, que se tornaram a base da mão de obra colonial e vítimas de um sistema que só os via como um produto a ser explorado.
No imaginário da população branca, as atrocidades pelas quais essas populações passaram acabaram com a abolição da escravidão, em 1888. Tal visão não poderia estar mais equivocada, e para entender o porquê é necessário relembrar como essa abolição ocorreu. A Lei Áurea, supostamente responsável pela liberdade daqueles que eram escravos, os levou para outra prisão: uma prisão social, onde não há espaço para igualdade. Na época, os ex escravos foram deixados à deriva em uma sociedade que não os aceitava — na visão daqueles que os exploravam, eles não tinham mais utilidade e, portanto, poderiam ser descartados como um objeto. Foi assim que nasceram as favelas, os cortiços, os lados da cidade que todo mundo finge não ver e as comunidades que todo mundo finge não ouvir — foi tudo o que foi possível fazer quando não tinham nada.
Cerca de 124 anos depois, o Estado brasileiro tomou medidas — tardiamente, como também foi em relação a escravidão — para tentar diminuir os efeitos causados pelas barbáries que compõem a história do Brasil. Em um país em que o ensino superior é monopolizado pelas classes dominantes desde sua criação, as cotas surgiram como o meio mais rápido e efetivo de tornar a universidade pública um lugar para o povo - que é, ironicamente, o que “pública” significa. Com mais minorias tendo participação no ensino superior, o espaço para que mudanças sociais eficazes ocorram irá aumentar notavelmente, considerando que não há quem conheça os problemas da sociedade brasileira melhor do que aqueles que são vítimas diretas deles.
Uma falácia usada por muitos da população brasileira para desqualificar a aplicação das cotas é “somos todos iguais, então todos temos a mesma capacidade de entrar na universidade”. Sob uma análise do que foi defendido pelo filósofo moderno Francis Bacon, essa visão do mundo está distorcida pelo chamado ídolo da caverna. Tal ídolo é atribuído às convicções que um indivíduo tem de acordo com sua criação e suas experiências individuais e que o leva a uma falsa verdade. Nessa situação, esse conceito se aplica quando uma pessoa considera que todos são tratados como iguais só porque ela foi tratada assim. Outro ídolo que pode ser atribuído à essa falácia é o de foro, que se baseia nas relações sociais que um indivíduo tem. Classes dominantes tendem a ter seu círculo social limitado a si mesmas, o que não dá espaço para que vejam no dia a dia que, na verdade, não existe igualdade no Brasil. É por isso que as cotas são necessárias: elas igualam as oportunidades enquanto não há igualdade.
Dessa forma, considerando a história
por trás da construção do Brasil e as cicatrizes dos ascendentes daqueles que
foram explorados durante essa construção, é possível compreender a importância
do papel das cotas para que a universidade pública se torne um lugar de todos.
A Revisão da Lei de Cotas que está prevista para 2022 é, portanto,
desnecessária e carrega consigo a intenção de manter a educação longe daqueles
que são explorados, pois "um povo educado não pode ser dominado".
Camilly Vitória da Silva, 1º semestre de Direito - Noturno (Turma XXXVIII)
Bom texto, bem fundamentado, parabéns!
ResponderExcluir