Total de visualizações de página (desde out/2009)

domingo, 27 de junho de 2021

300 anos em 10, o imediatismo da superação

  Quando eu soube que a lei de cotas seria revista em 2022 e que desde que foi publicada em 2012 essa revisão já estava prevista, uma memória (que eu não fazia ideia que ainda tinha) se reavivou em minha mente. Lembrei de um stand up muito antigo do Chris rock no qual ele levantava a seguinte dúvida: Por que os negros são obrigados a superar o passado tão rápido? Ele falava sobre como os estadunidenses sempre diziam que nunca esqueceriam o 11 de setembro, mas que, em contrapartida, diziam com facilidade sobre como os negros já tiveram tempo suficiente para superar o tempo da escravidão. Lembro de rir, claro, ele fez essa crítica com o máximo de humor que o tema permitia, mas hoje, ao me deparar com revisão da lei de cotas, os risos (que nunca deveriam ter existido) abriram espaço para a seguinte dúvida: Alguém realmente achou que dez anos seriam suficientes? Sério? 

    Bem, segundo a lógica do filósofo francês René Descartes, o correto é examinar todas as ideias e todos os ângulos de cada uma dessas ideias (até as mais falsas), porque só assim poderemos saber quais raciocínios são verdadeiros e, depois de sabermos quais são os falsos, evitaremos de ser por eles enganados. No entanto, mesmo se levarmos em consideração essa lógica (defendida no livro “Discurso do Método”) a revisão da lei de cotas ainda soa estranho, porque dez anos não são suficientes para que “os ângulos" tenham mudado e exijam um novo olhar. Uma edição do Guia do Estudante, de 2011, diz que menos de 3% dos jovens negros com mais de dezesseis anos frequentavam uma faculdade, enquanto que uma matéria da Agencia Brasil, de 2020, relatou que só 18% da população preta e parda tinham se formado na faculdade...Pelo visto, o Brasil de dez anos atrás pouco difere (estruturalmente) do atual. 

Já o inglês Francis Bacon, defensor da ideia de que o homem não tem como saber mais do que aquele conhecimento que lhe é alcançado por meio da observação dos fatos inspira alguns (não diretamente, porque eu dúvido que quem diga isso conheça Bacon) a dizerem que as cotas não são necessárias porque o Brasil não é mais um país desigual, haja vista que tem negros em todos os lugares, ou dizem “eu tenho um amigo negro que é gerente de banco” ou “na minha sala da faculdade tem negros que não usaram cotas, sabia?”. O problema é que, geralmente, as pessoas que dizem isso estão se baseando apenas em experiências próprias e não pararam para analisar e estudar a estrutura. Descartes já havia nos avisado há séculos que ”os nossos sentidos às vezes nos enganam”, logo, não é porque você vê seis pessoas negras na sua sala que isso implica que todos têm acesso igual ao ensino superior.

É difícil discutir com alguém que acredita que exista espaço para a meritocracia em uma sociedade de desigualdade estrutural, porque mesmo com toda e qualquer prova que seja mostrada à ela, ela ainda assim se desdobrará em mil pedaços para continuar se cegando… Deveria ser óbvio que dez anos nunca corrigirão séculos, mas aparentemente não é. Pelo visto, os negros tem que superar o passado mais rápido do que os brancos...


Andrew dos Santos Carneiro

1º ano Direito noturno


Nenhum comentário:

Postar um comentário